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Vivências que rememoram sonhos, renascimento e força social: retrato de Maria da Conceição Tomaz

| 25 de novembro de 2021
Em 1980, a pequena Conceição, aos quatro anos de idade na casa dos avós, mesmo lar onde permanece hoje, com os pais no Morro da Conceição, Zona Norte do Recife.

Texto: Maria Clara Monteiro/Cendhec. Fotos: Álbum pessoal/Conceição Tomaz. Arte: Alcione Ferreira/Cendhec

Seu nome veio de uma promessa. A primeira filha de sua mãe o receberia. Maria da Conceição. A escolha veio, também, pela morada (de muito orgulho!) no Morro da Conceição, zona norte do Recife. Esse é o reflexo de Conceição Tomaz. Mulher preta, periférica, estudante, escritora e que luta pelo o que acredita. Apesar de não ser expressamente militante, afirma que a vida a obriga a lutar pelas causas que lhe atingem – e não poderia ser diferente.

A sua importante ligação com o território reafirma a força política e social das comunidades. Derivando das lutas contra a invasão holandesa na área, o antigo Morro da Boa Vista teve o nome modificado com a chegada da imagem da Imaculada Conceição, em 1904. E em 1988, desmembrou-se do Bairro de Casa Amarela, e teve sua própria estruturação.

De acordo com o último censo realizado pelo IBGE, em 2010, o Morro abriga mais de dez mil habitantes, sendo a maioria feminina, com quase 54%. O bairro supera algumas cidades brasileiras em número de moradores, e marca o histórico de fé e transformação coletiva independente.

O sentimento de pertencimento abraça a história de Conceição. Da mesma forma que o Morro da Conceição é lugar de luta e resistência, a sua vida atravessa essas similaridades.

Desde criança, cresceu na periferia. Com pouco tempo de vida, mudou-se com os pais para o município de Abreu e Lima. No entanto, aos 10 anos, em decorrência da doença dos avós, voltou para o Morro.

No São João de 1984, quando morou em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife.

Sempre frequentou a escola pública, e aos 17, já trabalhava em diversos setores, como assistente médica, lojas de informática e, até mesmo, em shopping. “Desde o primeiro dia em que eu comecei a trabalhar, o dinheiro era para dentro de casa. Eu dava o dinheiro para ‘mainha’ e ficava com pouco”, conta.

Entre os anos de 2008 e 2010, Conceição enfrentou tempos difíceis. Depois de uma temporada sem conseguir emprego, mas decidida a mudar esse destino, resolveu investir em um curso de moda no Senac. Lá, conheceu Eugênio. Menino negro e da periferia de Maceió, que tinha apenas 18 anos quando viraram amigos. Percebendo a angústia da amiga, a convidou para se mudar para Belo Horizonte, onde ele dividia apartamento com alguns amigos.

“Em 2011, eu coloquei, pela primeira vez na minha vida, o pé dentro de um avião e fui com a cara e com a coragem. Fiquei lá por sete anos e trabalhei com moda”, destaca.

Em 2016, na empresa em que trabalhava como assistente de estilo em Belo Horizonte, MG.

Entre os recorrentes episódios de racismo, ela conta que sofreu assédio pelo seu sotaque e cor de pele. Mas bons ventos estavam a seu favor. E no início, trabalhou com Luiz Cláudio, o primeiro estilista negro a desfilar na São Paulo Fashion Week, na loja Apartamento 03.

“Luiz ser negro foi uma referência muito imporante. Hoje, eu conheço as coisas a partir do que aprendi com ele”, declara.

Em 2018, resolveu fazer o que o coração reivindicava. “Eu pedi demissão. Morria de saudade. Queria voltar para o Recife, para a minha terra.” Ao voltar, Conceição percebeu que não conseguiria pagar um lugar para morar sozinha, como estava em BH, e voltou para a casa de seus pais, no morro.

Ao lado dos pais, seu Nelson e dona Maria Vitória durante o natal pandêmico de 2020

Passando por esses caminhos, a vida lhe surpreendeu mais uma vez, quando se reencontrou com o Jornalismo

Atravessando essas violações de si, Conceição abraçou a ideia de uma amiga de criar um brechó. Porém, não trouxe grandes resultados. “Fiquei os anos de 2018 e 2019 tentando fazer o negócio crescer, mas não tinha estrutura”, relembra.

Até que veio a pandemia do coronavírus. “Eu ‘tava’ em casa, com meus pais, sem trabalho e há uns três anos sem carteira assinada. Isso me assustou profundamente. Eu me vi numa situação muito precária”, lamenta.

Até que por ironia – ou não – do destino, acessou uma publicação que divulgava o vestibular 2020.2 da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e resolveu se inscrever. “Parecia que estava sendo guiada. Era impressionante. Eu não tinha dinheiro para pagar nem metade da inscrição, que era de R$ 50,00. Mas pedi ao meu irmão e fui correndo pagar o boleto, porque faltavam dez minutos para a lotérica fechar. Eu tremia muito. Mas tinha uma voz dentro de mim que dizia: ‘tá tudo bem, essa vaga é sua’. Com 45 anos, passar em um curso superior, e no qual eu queria, não era uma coisa que eu imaginei que fosse acontecer”, recorda.

Atualmente, trabalha como secretária em uma oficina de escrita criativa, local também de muita importância para ela.

Conceição está no 3º período do curso de Jornalismo e revela que há dias em que, ainda, não acredita no que conquistou. “É um evento muito importante para mim. É um dia e uma hora reservada. Nessas horas, parece que eu abraço a Conceição de 18 anos.”

Este lugar, todavia, não é fácil de ser conquistado. Mas a estudante e escritora segue firme no seu propósito. E já, já, em 2024, teremos uma Conceição jornalista, a primeira pessoa da sua família formada no ensino superior.

Segue, abaixo, o texto escrito por Conceição para esta seção. O espaço é todo seu, Afrontosa!

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