Texto e arte: Alcione Ferreira | Fotos: Cristinalva Lemos.
“Aqui tem pessoas que já votam e outras que ainda vão votar. É muito importante essa discussão, num país democrático, para trazer o seu poder de voz a partir do seu lugar, da sua história.” Com essas palavras a pedagoga do Cendhec e ativista do Fundo Malala, Paula Ferreira, juntamente com as assistentes sociais Lorena Melo e Cristinalva Lemos, iniciou a formação “Por que votar em 2022?”. A atividade foi realizada pelo centro através de seus programas Direito à Cidade e Direito da Criança e Adolescente no último dia 25 com 12 jovens e adolescentes entre 15 e 21 anos da Vila Independência, ocupação de Nova Descoberta, periferia da zona norte do Recife. A dinâmica integrou a edição deste ano da Semana de Ação Mundial (SAM), maior evento no mundo sobre educação.
A iniciativa é realizada anualmente de forma simultânea em mais de 100 países desde 2003. O principal objetivo é fortalecer o debate e o engajamento da população acerca do tema direito à educação. No Brasil a SAM é articulada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), e chega a sua 19° edição com o tema “COMPROMISSO PARA ELEIÇÃO: Não Corte da Educação!”.
Durante a formação meninas e meninos puderam expressar suas percepções sobre a importância do voto nas perspectivas de gênero, raça e território, trazendo questões essenciais sobre o Brasil e o cenário que é vivenciado hoje pela juventude negra dos territórios populares. Para a estudante Evellin Raiane Costa de França, 19 anos, o período de isolamento provocado pela pandemia Covid-19 afetou, e muito, seu rendimento escolar e consequentemente comprometeu seus planos futuros: “Com a pandemia eu tive uma experiência: tive que sair do estágio e “abandonar a escola” entre aspas, né? Porque com as aulas remotas você acaba não aprendendo absolutamente nada. No pós pandemia também foi um impacto muito grande porque voltamos para escola sem entender nada, passamos de ano sem aprender nada e isso vai impactar bastante lá na frente quando a gente tiver uma oportunidade de emprego. Como vamos ter uma oportunidades se não sabemos o básico do ensino médio?”, questiona .
Sobre suas impressões acerca da formação Evellyn conclui: “Saio daqui com a mente aberta pra pensar e pesquisar fundamentalmente em quem eu vou votar esse ano”.
Durante a dinâmica as meninas e meninos puderam debater, a partir de dados reais, os impactos sociais sobre as juventudes com o desmonte das políticas públicas. Luciana da Silva, 20, trouxe com base na própria experiência as consequências dessa realidade: “Eu comecei a fazer faculdade e no terceiro período tive que desistir : ou eu colocava alimento pra dentro de casa ou estudava. Eu tive que desistir do meu sonho que lutei muito pra conquistar. A pandemia só piorou ainda mais o desemprego e acesso aos estudos. Os jovens hoje não tem muita oportunidade, ou tenta estudar ou tem que trabalhar, vender água no sinal. Eu, por exemplo, estou trabalhando como diarista pra poder ajudar minha família”. E alerta para o recorte de gênero e ausência dos poderes instituídos : “As mulheres estão sendo chefes de família, tendo que largar seus empregos. A ajuda do governo não é suficiente”. Sobre as eleições desse ano é enfática: “Saio daqui entendendo que meu voto é muito importante, que se eu não voto eu deixo de participar ativamente da sociedade”.
Os processos vivenciados tanto por Evellin quanto por Luciana traduzem como consequência de histórias reais os números que alertam sobre a vulnerabilidade das juventudes no Brasil. No estudo “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus” realizada pelo Conjuve (Conselho Nacional da Juventude) 43% das/os jovens entrevistados afirmaram que já pensaram em desistir dos estudos, pelo menos 6% foram empurrados efetivamente para a evasão escolar . Os principais motivos apontados são dificuldades financeiras e com o modelo remoto de ensino.
Para a pedagoga Paula Ferreira o momento de formação foi essencial para refletir sobre a necessidade urgente pela mudança através do voto consciente: “ Muitas e muitos jovens estão cansadas/os e/ou desmotivadas/os com as gestões políticas, porém é importante entender que para haver mudanças é necessário pensar e participar do debate em sociedade. Foi importante perceber como elas e eles trouxeram os impactos e como percebem suas vozes nesse processo, refletindo sobre qual o perfil de candidatas/os que as juventudes querem para as políticas afirmativas. Numa das atividades colocamos a seguinte pergunta: ‘O que você quer para o Brasil a partir de 2023?’ A maioria deseja uma educação melhor para todas e todos, entendendo que hoje a educação está muito precarizada.
A precarização a qual as/os jovens trouxeram durante a formação guarda relação com o descumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE). A lei 13.005/2014 do projeto possui 20 metas e um tempo acordado de dez anos para cumprimento. O que se tem constatado ao longo desse tempo, especialmente desde 2018 no governo Bolsonaro, é o descumprimento das estratégias para alcançar as metas e, ainda mais grave, um retrocesso no que se refere às agendas reais do PNE. No lugar do que preconiza o plano há, por parte do governo federal, uma política fundamentada na discriminação e no esvaziamento de ações em prol da juventude negra e periférica, caminhando para privatizações e negacionismo científico.
Desmontes políticos e desafios para a educação brasileira
Falar sobre eleições é tocar num ponto sensível e decisivo: o próximo PNE será votado em 2024, tendo a frente do país governantes eleitos esse ano. A educação foi um dos setores que mais sofreu com o atual governo, só de 2018 pra cá a pasta já teve 05 ministros da educação e escândalos com desdobramentos graves, como o caso que envolve diretamente o ex ministro da educação Milton Ribeiro no favorecimento de pastores com verbas do MEC. Ribeiro, juntamente com outros quatro pastores, foram presos pela Polícia Federal no último dia 22 e imediatamente soltos no dia seguinte. Após soltura o Ministério público pediu que seja feita uma investigação de Bolsonaro sobre sua suposta interferência no caso.
Para saber mais sobre o PNE e a SAM 2022, que encerra suas atividades hoje, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) disponibilizou todas as informações no site semanadeacaomundial.org