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Redução de doações ameaça atividades socioambientais dos Trapeiros de Emaús, em comunidades recifenses

| 30 de abril de 2024

Na Zona Norte do Recife, a Associação é responsável pela transformação sustentável do território e é norteadora na vida profissional de centenas de moradoras e moradores do bairro de Dois Unidos e arredores.

Os Trapeiros de Emaús trabalha com a coleta e reciclagem de materiais doados
Reportagem: Luana Farias | Fotos: Alcione Ferreira

Apesar dos 27 anos provocando mudanças de narrativas na comunidade, o trabalho da Associação e Escola dos Trapeiros de Emaús, em Recife, está arriscado e encontra dificuldades para continuidade. As despesas com o espaço da instituição de ensino, a renda de colaboradoras/es e a manutenção das atividades de reciclagem são pagas com o valor que é arrecadado nos bazares da organização, mas, sobretudo, com doações de apoiadores externos. O aporte financeiro, no entanto, foi reduzido substancialmente desde 2022, após o falecimento de Luís Tenderini, co-fundador do Emaús, em Recife. 

Helena Tenderini, filha de Luís e integrante do Conselho de Emaús, juntamente com a diretoria da instituição, revela: “A gente está sentindo muita angústia diante das incertezas de manter os trabalhos”.

A atuação

É no galpão de reciclagem de papéis, eletrônicos e móveis, endereçado na Rua Mamede Coelho, no bairro de Dois Unidos, que trajetórias de vida são transformadas pelos Trapeiros de Emaús. Famílias inteiras tiram seu sustento, ou conseguem uma renda complementar, a partir da revenda de objetos que são coletados, restaurados e, posteriormente, vendidos a valores simbólicos em bazares comunitários.   

No entanto, mais do que o retorno financeiro a partir da reparação e venda de objetos reciclados, a instituição oferece amparo na Casa de Acolhimento e promove, anualmente, a profissionalização de centenas de pessoas, através da Escola de Educação Profissional Luis Tenderini. 

A Escola Luís Tenderini contribui com a qualificação profissional e com a inserção dos alunos no mercado de trabalho.

Localizada na rua Uriel de Holanda, próxima à sede da Associação, onde acontecem as coletas e reciclagem de materiais, a Escola Luís Tenderini foi inaugurada em 2009 e faz parte dos Trapeiros de Emaús. A Instituição de ensino oferta cursos de educação profissional em Informática (Manutenção de Micros), Corte e costura, Cabeleireiro, Espanhol, Pacote office, Empreendedorismo, Refrigeração e Climatização comercial. O total de duzentas vagas oferecidas por ano são gratuitas e destinadas a adolescentes, jovens, adultos e idosos em situação de vulnerabilidade social. 

As aulas de Educação política acontecem uma vez por semana, e são um diferencial. Ao aproximar a abordagem para a realidade do território, os encontros buscam fomentar o debate sobre os principais problemas políticos, econômicos, sociais e culturais que afetam o país e as comunidades nas quais os alunos estão inseridos.  

A contratação de ex-alunos da formação é um marco da Associação.

Moradoras e moradores do bairro, como Kaiane Hemelly, 21, reforçam o poder de mudança impulsionado pela organização, com o acesso ao estudo qualificado e crítico. A ex-aluna da Escola confessa: “Sempre fui encantada pela história de Emaús”. Os relatos dos pais e da avó sobre o trabalho dos Trapeiros, foi fundamental para plantar e crescer, em Kaiane, o desejo de se aproximar das causas sustentáveis e sociopolíticas. 

Foi um projeto, originado nos encontros de formação política, que inseriu a jovem na luta social no próprio bairro. Conforme relembra, durante as enchentes e deslizamentos, motivados pelas chuvas e negligência pública, que marcaram o ano de 2022, os alunos e o professor da disciplina, uniram forças para realizar doações para a população desabrigada, em Dois Unidos. “A gente também saiu na comunidade falando sobre desigualdade social. O pessoal que tava nesse projeto foi muito tocado, porque não conhecia a realidade daqui. Mesmo morando tão perto, não via que tinha pessoas que passavam por tanta necessidade assim”, enfatiza. “Passei a observar minha comunidade de outra forma”

Lícia Loureiro, 22, é moradora de Dois Unidos e testemunha da força que habita a perspectiva de um presente e um futuro possíveis no mercado de trabalho. A jovem cursou manutenção de micros em rede. Atualmente, como atendente da Associação dos Trapeiros de Emaús, há mais de dois anos, ressalta: “A escola foi um norte. Eu não segui atuando na área da informática, mas me deu um destino para o que eu queria fazer. Me acalmou muito quanto a falta de formação, algo que eu pudesse pôr no meu currículo”. 

O primeiro contato de Lícia com o Emaús Recife foi através do tio, marceneiro na Associação. Após a conclusão do curso, a jovem entrou para o voluntariado e, logo em seguida, foi contratada como colaboradora. Hoje, o trabalho da jovem é voltado para o agendamento de rotas de doações e coleta de materiais. 

O encantamento de Lícia pelos valores da instituição tem uma explicação: “Emaús não é só a coleta do material para ajudar o meio ambiente. A gente ajuda as pessoas a terem dignidade no seu emprego”. Lícia sustenta a importância do suporte oferecido pela geração de trabalho e por meio do acolhimento. “Não é só um ato de caridade para uma pessoa. É um suporte seguro e digno”.

O envolvimento com as causas marcam
a trajetória dos colaboradores
| Foto: Arquivo pessoal

Os Trapeiros de Emaús se destaca por apresentar soluções para o descarte eletrônico

As atividades da Escola, em diálogo direto com o trabalho no galpão de reciclagem, oferecem a segurança necessária buscada por muitos como forma de amenizar as marcas das desigualdades socioeconômicas e territoriais. 

Legado e memória 

Para Helena Tenderini, o que motiva o trabalho dos Trapeiros a seguir resistente desde a origem é, principalmente, a consciência do alcance macro das mudanças, mas que também impactam famílias dentro das comunidades. “Várias famílias se mantêm desse trabalho”, pontua.  

Atualmente, a entidade acumula o Título de Utilidade Pública Municipal, concedido pela Câmara de Vereadores do Recife, é membro do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Recebeu a Medalha João Alfredo, do Tribunal Regional do Trabalho e a Medalha Leão do Norte da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. 

O reconhecimento pelo impacto humanitário, socioambiental e político é resultado de anos de engajamento. O trabalho comunitário aponta a força coletiva que ganha fôlego, também, pelo legado dos fundadores Luís Tenderini e Dom Helder Camara. 

Helena Tenderini observa no cotidiano da organização o reflexo das ações dos fundadores, e lembra da mãe, Djanira Tenderini, que também atuou ativamente nos trabalhos do Emaús Recife, até o dia de sua partida. “Vejo a continuação deles na coletividade da associação e no pensamento de transformação social para o mundo. São valores que dizem respeito ao que a gente quer de mudança na sociedade”.

A associação foi fundada na capital pernambucana, em 1996, por Luís Tenderini a pedido de Dom Helder Camara, que tinha uma longa amizade com o fundador do Emaús internacional. Luís Tenderini coordenou os projetos sociais implantados pelo Dom da Paz, nas Fronteiras. O italiano não aceitou a missão de primeira, mas o Dom persistiu e o apresentou ao trabalho realizado nestas comunidades. A experiência de Tenderini em um grupo Emaús da periferia de Buenos Aires, foi inspiradora para a criação da sede em Recife. 

Desde a fundação, o olhar para as necessidades do bairro norteou as atividades que seriam realizadas. A Trapeiros de Emaús Recife é uma das 400 sedes dispostas em mais de 40 países. É filiado à Emaús Internacional, movimento fundado na França pelo sacerdote Abbe Pierre, e atua em torno de 5 eixos: Acolhida, daqueles que mais precisam; Trabalho, para que possam viver e a comunidade também; Partilha, pois todos os afazeres são partilhados, assim como os frutos destes; Serviços para os mais necessitados; e Missão Política, que é lutar por uma sociedade sem miséria e injustiça. 

Missimere, companheira de Tenderini, cuida da memória e legado do italiano  

A história construída na partilha pela luta e justiça social é inspiradora. “Emaús era a vida de Luís Tenderini”. Missimere da Conceição foi companheira de Luís Tenderini por dez anos, até o fim de sua vida, e relembra orgulhosa o caminho trilhado pelo italiano. Hoje, mantém a memória de Tenderini, através do Memorial inaugurado, em 2023, na casa de acolhimento da Associação, onde vive desde 2018. 

Campanha de doação 

Com o objetivo de assegurar a permanência plena das atividades do galpão, da Escola de Educação Profissional Luis Tenderini e da casa de acolhimento, além de solucionar urgências, a Associação dos Trapeiros de Emaús lançou uma campanha para arrecadação de doações. As contribuições são de apoio tanto às ações junto à comunidade e aos jovens, como também de suporte às famílias que vivem do trabalho de Emaús. 

Helena Tenderini explica que a realidade econômica do estado e do país, foi um fator que condicionou o aperto financeiro, tensionando também os desafios já enfrentados pelos grupos dos Trapeiros de Emaús. “O momento está sendo de muita dificuldade. Acho que juntou uma série de questões que combinaram para esse momento, que está bem desafiador, desde a morte do nosso pai, Luiz Tenderini”, aponta. 

A campanha, no formato de vaquinha online, tem a meta de 100 mil reais e pode ser acessada no link: https://www.vakinha.com.br/4613067 As contribuições também podem acontecer através do Pix, utilizando a chave: 4613067@vakinha.com.br

A luta por justiça social está no gene dos Trapeiros de Emaús Recife e segue refletida na campanha, comprometida com a continuidade e perpetuação de atividades que são responsáveis pela promoção da melhoria financeira e econômica de famílias socialmente vulnerabilizadas. 

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