Texto e imagens: Lenne Ferreira
No último Dia Internacional da Mulher, uma estudante da rede pública de ensino chegou à escola acompanhada pelos dois filhos. Apesar da data festiva, que era comemorada com entrega de flores, a jovem, que não tinha com quem deixar as crianças, foi impedida de ter acesso à unidade e voltou para casa. A história foi narrada pela educadora Luciana Zarzar durante a formação “Gênero e Educação: Igualdade e Diversidades para uma Escola Acolhedora”, realizada pelo Centro Dom Helder Camara por meio do projeto “Na Trilha da Educação”. Zarzar usou o episódio para demonstrar o quão desafiador é implementar uma educação atenta às necessidades de meninas e mulheres cis ou trans. “Quando a gente não acolhe, a gente acaba fechando as portas de oportunidades”, disse ela durante o encontro, que aconteceu na sede da Secretaria de Educação de Igarassu.
Olhar para as especificidades que permeiam a vida de meninas e mulheres cis ou trans para construir caminhos que gerem mais respeito e autonomia para elas. Essa foi a proposta da formação, que contou com a mediação da pedagoga do Cendhec, Paula Ferreira, que também integra a Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala, apoiador do projeto. O encontro contou com a participação de Chopelly Santos, da Amotrans-PE, Nivete Azevedo, do Centro de Mulheres do Cabo e reuniu gestoras (es), coordenadoras (es) que atuam nas gestões das escolas públicas de Igarassu e Camaragibe.
Na fala de abertura da formação, a secretária de Educação da cidade de Igarassu, Andreika Asseker, ressaltou a importância da parceria com o Cendhec e de as escolas estarem engajadas com temas como Gênero e Identidade de Gênero a fim de promover uma sociedade mais igualitária. “Muitas vezes, a Educação deixa muitas discussões em segundo plano. Mas, na prática, a gente vê o quanto é importante ter essas discussões porque são nossos estudantes que fazem o presente e o futuro da sociedade. E se a gente quer uma sociedade mais justa, que acolha as diferenças, que tenha um olhar menos preconceituoso, precisamos começar de agora com essas discussões acontecendo dentro da escola”, pontuou.
Coordenadora do projeto “Na trilha da Educação”, Alcione Ferreira também defendeu uma Educação mais atenta e acolhedora, que se aproxime da realidade de meninas como forma de empoderá-las e sanar opressões estruturais. Após apresentar a atuação do Cendhec, ela passou a palavra para Paula Ferreira que abordou índices sobre violências que atingem meninas e mulheres no Brasil e no mundo. “Repensar o processo pedagógico é muito importante para mudar esses dados e essa realidade. Só por meio de uma educação que mostre às e aos estudantes que o respeito é importante vamos conseguir ter sociedade com menos desigualdade de gênero”, pontuou.
Na sequência, Nivete Azevedo, do Centro de Mulheres do Cabo, que também é professora, quis ouvir as/os profissionais de Educação para entender um pouco mais sobre os desafios no cotidiano escolar. Nesse momento, Janaína Lima, da rede pública de Camaragibe, aproveitou para falar um pouco sobre sua visão enquanto gestora da Escola Manoel Chaves. Para ela, as capacitações são importantes para que professores e professoras atuem mais preparadas (os), mas acredita que políticas públicas precisam ser implementadas para garantir a efetivação de direitos para crianças e adolescentes.
“É fundamental que a gente tenha esse tipo de discussão e que ampliemos esses espaços de formação, mas é necessário que existam políticas para que sejam questões ratificadas e não só ensaiadas. As gestões e as secretarias precisam se interligar para que os profissionais se instrumentalizem, se fundamentem e se fortaleçam e a gente possa construir, de fato, uma sociedade mais igualitária”, declarou ela.
A partir dos relatos que ouviu, Nivete Azevedo costurou sua apresentação levantando pontos de reflexão sobre a lógica patriarcal que demanda mais responsabilidades para meninas do que para meninos. Ela também desconstruiu alguns conceitos cristalizados e que impedem o desenvolvimento cognitivo na fase da infância, o que reverbera ao longo de toda vida de uma mulher, por isso, ela defende uma educação pública não sexista, não lgbtfóbica e antiracista.
Após assistirem a um vídeo sobre identidade de gênero, as/os educadoras (es) puderam entender um pouco mais sobre a história de criação do movimento LGBTQIA+ por meio da fala da ativista Chopelly Santos. A partir das experiências vivenciadas na época em que era estudantes de escola pública, Chopelly levou as/os gestoras (es) a pensarem sobre como violências simbólicas podem marcar para sempre a vida de uma menina trans.
“Quem trabalha com Educação precisa entender que o seu papel é educar. Pode não entender ou não aceitar a homossexualidade, mas tem que entender que vai precisar lidar com meninas gays e meninas lésbicas e vai ter que educar porque foi o que o se propôs a fazer na sociedade. Não cabe ao educador dizer se está certo ou errado, porque ele não vai conseguir mudar isso. Ninguém vai acabar com a homossexualidade no mundo. Existiu no passado, existe hoje e vai existir no futuro, então já passou da hora de ser encarado com naturalidade, principalmente no ambiente escolar que existe para acolher a todes”, pontuou a ativista.
As colocações de Chopelly foram bem apreendidas pela coordenadora Sandra Galvão, da Escola Cecília Maria, que passou toda a formação atenta às falas das palestrantes. “Saio daqui hoje muito mais preparada para atuar na escola onde trabalho, onde nos deparamos com diversas questões”. Ela recordou que, em 2021, um aluno trans procurou a gestão para dizer que queria mudar o nome do seu documento e ela não soube como orientar. Esse foi um dos pontos abordados por Chopelly, que mostrou os caminhos legais para esse tipo de demanda. “A partir e agora, eu saberei como proceder”.