Texto e imagens: Lenne Ferreira (Cendhec)
Ampliar o debate sobre gênero para impactar a vida de meninas que vivem em regiões descentralizadas é uma das linhas de ações do projeto “Na Trilha da Educação”. Além da capital do estado, a iniciativa desenvolvida pelo Centro Dom Hélder Câmara (Cendhec), que tem apoio do Fundo Malala, também dialoga com escolas de cidades da Região Metropolitana como Igarassu. No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a pedagoga e ativista Paula Ferreira, aceitou o convite da Escola Municipal José Martins e participou de uma roda de diálogo intitulada “Discutir a Lei Maria da Penha na escola é uma forma de proteger mulheres e meninas das diversas violências de gênero”.
Ao lado da advogada feminista Margareth Senna, que integra o coletivo Mana a Mana, Paula Ferreira conversou com mães de estudantes da instituição de ensino, que tem pautado temáticas importantes para a promoção de uma Educação antisexista. A apresentação abordou a atuação do projeto “Na trilha” e também do Cendhec, além de uma contextualização das violências sofridas pelas meninas no ambiente escolar mostrando dados que oferecem um panorama sobre o cenário. A partir de exemplos práticos, a ativista demonstrou como se dão as desigualdades no cotidiano das meninas, seja no ambiente familiar ou escolar.
Ao ouvir a explanação da pedagoga, a dona de casa Carla Michelle, que tem um casal de filhos, fez questão de pontuar sua visão sobre o tema. “Na minha casa, a educação é a mesma para os dois. Tanto o menino quanto a menina têm as mesmas obrigações”, comentou ela, que mora na comunidade Bela Vista. Casada há 12 anos, Carla comentou que desde o início de sua relação estabeleceu a divisão de tarefas com o companheiro porque passou a infância vendo sua mãe sofrer com as opressões do marido. “Cresci acompanhando o sofrimento da minha mãe e desde cedo sabia que não queria o mesmo pra mim”.
O relato de Carla é um exemplo de que a tomada de consciência das mulheres é o principal caminho para combater violências. Por isso, a pedagoga Paula acredita que a escola é o ambiente para construir esse empoderamento e tirar o debate de gênero das regiões centralizadas é uma forma de chegar em mais pessoas. “É muito importante sensibilizar a coordenação pedagógica e as gestões escolares das escolas para discutir a desigualdade de gênero. Foi um debate relevante porque reuniu as famílias, o que é fundamental porque elas precisam estar nessa relação com a escola. Houve um momento de muita escuta das mães que estavam lá ouvindo e interagindo conosco”, avalia.
Uma das articuladoras da atividade, Iranilda Silva, que compõe a rede de proteção de Igarassu, acredita que a realização de rodas de conversa é um importante instrumento na luta por igualdade de gênero. “Trazer esse debate para a escola é uma forma de informar as mães das nossas meninas. Muitas delas sofrem algum tipo de abuso, mas ainda não sabem se proteger. Para mim, como professora e educadora, é brilhante ver esse projeto desenvolvido pelo Cendhec”.
A advogada Margareth Senna apresentou detalhes sobre a Lei Maria da Penha contando a história de vida da mulher que inspirou a criação do instrumento de proteção. Ela chamou a atenção para os tipos de violências vivenciadas pelas mulheres e que, muitas vezes, não são identificadas por elas, a exemplo da violência patrimonial, quando o homem quebra bem materiais ou nega repasse de dinheiro para suprir necessidades básicas da família. Ela também esclareceu pontos sobre a aplicação da lei e proteção das vítimas de violência doméstica. “Muitas mulheres não denunciam por medo de ameaças, mas a lei protege elas e existem delegacias especializadas para fazer essa orientação”, explicou.
A partir da explanação sobre os direitos das mulheres, a dona de casa, Maria José, se sentiu à vontade para falar sobre a situação de violência que vivenciou durante sete anos com o ex-companheiro. Mãe de um filho de 15 anos, ela quase morreu por três vezes e depois do encontro entendeu que sofreu violências psicológica, sexual e física. “Ele tentou me matar dormindo duas vezes. Tinha que fingir prazer na cama para ele não ficar agressivo. Só me separei depois que vi meu corpo marcado e percebi que não merecia isso”. A mãe, que estava presente, ficou surpresa com o relato. “Só fiquei sabendo disso tudo hoje”, contou.
Para a gestora da escola, Joseane Gonçalo, que atua há 3 anos na unidade, o evento é muito simbólico e representa um avanço dentro do âmbito educacional. “A gente sabe que essas mulheres não têm tanto espaço para serem ouvidas, às vezes vivem muito isoladas e não têm com quem compartilhar o que sofrem, às vezes não sabem como agir e nem o nome da violência que sofrem. É muito importante que elas possam ouvir pessoas que podem muni-las de conhecimento e argumentos”. Joseane também acredita que, a partir desses encontros, as mulheres também se tornam multiplicadoras. “Tenho certeza que muitas vão chegar em casa comentando o que ouviram e espalhar o conhecimento que tiveram acesso aqui”.
Paula Ferreira vê como muito positiva a participação em uma atividade promovida dentro de uma escola municipal de Igarassu, especialmente por ter sido algo provocado pela própria instituição. “As escolas e a rede de educação começam a perceber a relevância do tema para pensar o papel da escola pública. Esse é um elemento muito importante porque estamos vivenciando um momento muito sério no país, com um governante que não respeita as mulheres e a escola precisa reconhecer o lugar social que ela ocupa na sociedade”.