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Projeto “Escolas seguras” promoveu o acolhimento de jovens estudantes ao longo da pandemia

| 28 de dezembro de 2021
Encerramento do projeto foi marcado por emoção na Escola Municipal São José, núcleo Camaragibe (PE)

O abraço coletivo entre alunas da Escola Municipal São José, localizada em Aldeia (Camaragibe – PE), e a mobilizadora Suzana Santos é só uma demonstração dos laços de afeto constituídos a partir do projeto “Escolas Seguras e Acolhedoras para a Convivência das Meninas e Jovens Mulheres com a Covid-19 em Pernambuco”. No último encontro da primeira edição da iniciativa, as participantes puderam dividir as trocas e aprendizado adquirido ao longo de mais de um ano das atividades virtuais, que tiveram como foco principal promover o acolhimento das estudantes ao longo da crise sanitária.

“Eu gostei bastante das pessoas, das atividades e dos assuntos que agente debateu”. O comentário é de Jenyffy Vitória, de 13 anos, que cursa o 7º ano. Ela foi uma das que se emocionaram durante o evento de encerramento, que possibilitou um momento de diálogo sobre a experiência entre participantes e facilitadoras. As questões relacionadas com gênero foram as que mais tocaram a estudante, que já observa o preconceito vivenciado por jovens como ela na sua comunidade. “Existe muito preconceito em relação às roupas que as mulheres usam e os encontros me fizeram ver que uma mulher pode fazer o que ela quiser”, comentou Jeniffy.

O relato da jovem é uma pequena mostra dos resultados alcançados pelo “Projeto Escolas Seguras e Acolhedoras”, uma iniciativa formada por instituições parceiras do Fundo Malala em Pernambuco. Além do Centro Cultural Luiz Freire (CCLF), que coordena ação no Estado, também estão envolvidos o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC), o Centro das Mulheres do Cabo (CMC), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) através de seu Comitê Pernambuco e o Fórum de Educação Infantil de Pernambuco (FEIPE). Desde que a pandemia impactou a rede de educação, o projeto vem contribuindo para o debate, a incidência política e o monitoramento das iniciativas governamentais relativas ao direito à educação com atenção aos recortes de classe, gênero e raça. Os encontros virtuais beneficiaram estudantes de sete núcleos: Recife (Sítio dos Pintos), Cabo de Santo Agostinho, Igarassu, Olinda (Peixinhos), Camaragibe e comunidades quilombolas do município de Mirandiba, no sertão de Pernambuco.


Além das (os) mobilizadoras (es) do projeto, a participação de profissionais que atuam nas escolas foi fundamental para promover uma maior aproximação com a realidade de cada estudante do núcleo Camaragibe. A professora Luciana Zarzar atuou como umas das parceiras da ação na Escola São José. “Foi uma experiência ímpar na vida delas. Um momento de construção de identidade, de convivência em grupo, de sair de si para si. Foi muito importante para elas amadurecerem. Uma experiência extremamente feliz e gratificante”, avalia ela.

Para a educadora, a única forma de construir uma educação que faça sentido na vida das pessoas é considerando suas especificidades e vivências territoriais. “Para mim, uma escola segura e acolhedora enxerga o aluno em suas necessidades e não vai homogeneizá-lo e vai muito além da formação de competências. É realmente uma formação integral que passa valores para que ele seja quem ele precisa ser. É poder abrigar eles e entender suas reais necessidades”, acredita Zarzar.

Atualmente, a educação brasileira enfrenta desafios que têm raízes na estrutura social do país, marcada por desigualdades históricas. A pesquisa  “A experiência do ensino durante a pandemia de Covid-19 no Brasil”, realizada pelo INESC, escancarou as disparidades entre ensino público e privado no Brasil.

O levantamento mostrou, por exemplo, que as meninas lideram as estatísticas da evasão escolar durante a pandemia: mais de 270 mil deixaram a escola. Uma realidade combatida ao longo do projeto “Escolas Seguras”, que ofereceu maior apoio às (aos) estudantes durante o ensino remoto, ajudando também na esfera da saúde mental das (os) jovens. É o que observa a filósofa, educadora e coordenadora da ação em Pernambuco, Liz Ramos, que fez questão de participar do encerramento da ação na Escola São José. “Eu acho que esse projeto possibilitou uma convivência em coletividade por meio de um grupo para trocar ideias e experiências em um momento que elas estavam vivenciando o distanciamento social e com todas as restrições que a Covid impôs. O fato de encontrar mesmo online foi muito significativo para elas”, pontua.

Em Camaragibe, a mobilização local contou com o apoio da ativista Suzana Santos, que integra o Coletivo Cara Preta. Foi ela quem ajudou na articulação de 13 encontros, sendo 3 presenciais, com meninas entre 11 e 14 anos de idade da Escola São José. “Eu percebi o amadurecimento delas. Durante as discussões, elas se sentiam seguras para trazer episódios que estavam acontecendo dentro da escola. Elas se sentiram acolhidas suficientemente para saber como lidar e essas dúvidas acabaram influenciando outras meninas a falarem”, comenta sobre a experiência. De acordo com Suzana, que recebeu o carinho das alunas durante a despedida do projeto, os encontros tiveram efeitos positivos, que serão sentidos a curto e longo prazo: “O maior objetivo do projeto era justamente ajudar elas a acessarem outros espaços a partir de suas falas”.

Jovens de pelo menos cinco comunidades quilombolas de Miramdiba, no Sertão de PE, participaram do projeto

Descentralização para ampliação de incidência
Em Mirandiba, jovens quilombolas também foram beneficiados pelas atividades formativas do “Escolas Seguras”, o que foi comemorado pela professora Maria José, que acompanhou todo o processo e sabe da importância da descentralização de ações com foco na melhoria da educação.  “Foi uma experiência maravilhosa e incrível. Durante a pandemia, a gente pôde constatar o quanto as e os jovens tiveram dificuldades para ter acesso a escola. A gente trabalhou com oficinas, entrevistas. O projeto trouxe também um alerta para todas as escolas e principalmente para as (os) gestoras (es), que ficaram mais atentas (os) graças ao monitoramento do projeto”.

Feijão e Posse, Serra do Talhado, Araçá, Pau de Leite e Pedra do Amolar foram as comunidades quilombolas de Mirandiba que integraram o projeto. Meninas e meninos puderam compartilhar suas vivências e aprender sobre seus direitos a partir dos encontros articulados pela professora Maria José, que leciona na Escola Pórfiro Gomes de Souza. Ao lado da educadora popular, Cristina Edileuza, ela desenvolveu as ações voltadas para o empoderamento das (os) jovens e destaca os avanços no processo de aprendizagem delas (os), que se sentiram mais motivadas (os) durante o ensino remoto.  

Retrospectiva

O projeto começou a ser desenvolvido entre os meses de agosto de 2020 e novembro de 2021. Foram um ano e três meses de atividades que envolveram diversas frentes no sentido de garantir o Direito à Educação dentro de um contexto que desafiou profissionais da área, assim como a estudantes e seus familiares.

Em 2020, foram realizadas Rodas Virtuais de Diálogo com diversos segmentos da sociedade para um amplo processo de consulta com a finalidade de gerar recomendações para o aprimoramento das estratégias e procedimentos. A partir disso, foi elaborado o Documento de Recomendações da Sociedade Civil para a Qualificação dos Protocolos Estadual e Municipais de Segurança da Saúde Pública.

Já em 2021, o projeto dedicou-se aos Núcleos de Adolescentes e Jovens formados por cinco cidades da Região Metropolitana do Recife, além de cinco comunidades quilombolas de Miramdiba. A equipe de comunicação do CCLF ministrou Oficinas de Comunicação e Produção de Conteúdos para que as participantes compartilhassem suas vivências, opiniões e questionamentos sobre a volta às aulas e o modelo virtual/híbrido de ensino. Ao todo, cerca de 80 jovens foram diretamente impactadas (os) pela ação.

Para equipe, escuta das meninas foi o principal ponto positivo
Analisar os efeitos do projeto “Escolas seguras” assim como sua influência no cotidiano das (os) participantes foi o mote de um encontro onde estiveram presentes representantes das entidades que compõe o comitê gestor em Pernambuco. O grupo se reuniu em Suape, litoral sul de Pernambuco, para dialogar sobre o desenvolvimento das atividades, metodologias aplicadas e todo o processo de aprendizagem. A pedagoga do Cendhec, Paula Ferreira, participou do encontro ao lado de outras representações, que compartilharam suas experiências.

“A avaliação se deu a partir das incidências políticas realizadas nos territórios e que serviram de base para a construção de um documento indicado para muitas organizações, coletivos e espaços de educação com recomendações para a comunidade escolar nesse contexto de pandemia”. Paula destaca que o documento foi avaliado de forma muito positiva, pois circulou por diversos espaços e chegou a motivar a realização de seminário.  As recomendações foram elaboradas a partir da escuta de mais de 50 organizações da sociedade civil, unidades de ensino, educadoras (es), alunas e alunos.

O fortalecimento da rede de educação pública foi outro ponto observado pelas (os) agentes do projeto, que promoveram uma força tarefa para incidir no campo político por meio da participação em sessões com parlamentares. Para todas (os), no entanto, o maior ganho tem relação com o contato direto com as meninas. “Ouvir as meninas falarem dos impactos e como eles vão se desdobrar para os próximos anos foi uma escuta muito valiosa  para podermos pensar na perspectiva de continuar ouvindo e valorizando essas vozes, que são tão importantes para gente pensar políticas públicas”.

Se depender das (os) jovens de Miramdiba, Aldeia e demais núcleos, o fechamento de um capítulo não encerrou a história. No encerramento das atividades, o pedido mais repetido, segundo a professora Maria José, era de que houvesse continuidade. “O projeto ajudou a juventude a se desenvolver na fala, nas atitudes e conhecer mais sobre os seus direitos e poder incidir em seus espaços. A juventude agradeceu muito por poder participar e querem continuar participando desse projeto. Os grupos dentro da comunidade vão permanecer”.

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