Texto: Lenne Ferreira | Ilustração: Alcione Ferreira/Cendhec
Victor Kawan de Souza, 17 anos, morto pelo tiro de um policial no Sítio dos Pintos. Mário Andrade, morto por um policial no bairro do Ibura. Pedro Henrique, 16 anos, morto por arma de fogo em Gaibu. As três vítimas fatais da violência em Pernambuco são os rostos que as estatísticas não mostram, mas denunciam. Segundo dados recém divulgados pelo Relatório Anual do Instituto Fogo Cruzado, em 2021, oito crianças foram baleadas na Região Metropolitana do Recife; uma das vítimas não sobreviveu. Entre os adolescentes, o quadro é ainda mais grave: foram 108 adolescentes baleados – 70 deles foram a óbito.
Em 2021, o estado de Pernambuco chegou a ser considerado o pior lugar do Brasil para ser jovem. A estabilidade dos números de crianças e adolescentes vítimas de armas de fogo no Estado é um indicativo da falta de políticas públicas de garantia à vida. Psicólogo e integrante do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), Romero Silva avalia que o cenário requer medidas urgentes. “Esses números alarmantes não são apenas um problema da segurança pública, e ,sim, problema de toda a sociedade”, afirma.
Nos últimos três anos, o número de crianças e adolescentes baleados na Região Metropolitana do Estado praticamente não mudou. Foram 10, 11 e oito crianças baleadas, em 2019, 2020 e 2021, respectivamente, e 109, 93 e 108 adolescentes baleados nos anos 2019, 2020 e 2021, respectivamente. “Essa estabilidade é sintoma de uma política de segurança que não prioriza a vida. É importante frisar que nem a redução da circulação das pessoas durante a pandemia, especialmente nestas faixas etárias, devido a suspensão das aulas, mudou a situação.
“O sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente de Pernambuco não tem funcionado de forma sistêmica e articulando no sentido de proteger os meninos e meninas. Segundo, que a prioridade absoluta preconizada pelo ECA não tem sido interesse do executivo estadual na destinação privilegiada de recursos para o fortalecimento das políticas de prevenção e reestruturação da rede de atendimento”, pontua Romero.
Três adolescentes foram atingidos por balas perdidas* em 2021. Mas a violência contra crianças e adolescentes na Região Metropolitana do Recife fica ainda mais clara quando se percebe que nem dentro de casa eles estão a salvo: 14 adolescentes foram baleados dentro da própria casa.
Entre os 13 municípios da Região Metropolitana com crianças e adolescentes baleados, estão Recife (três crianças e 41 adolescentes), Jaboatão dos Guararapes (22 adolescentes), Cabo de Santo Agostinho (duas crianças e 14 adolescentes), Paulista (11 adolescentes) e Olinda (uma criança e nove adolescentes).
Crianças e adolescentes vítimas não fatais da violência armada carregam marcas físicas e psicológicas que dificultam o aprendizado, o desenvolvimento e o convívio social. Os impactos foram estudados na pesquisa conduzida por Augusto Buchweitz, professor da Escola de Ciências da Saúde da PUCRS e pesquisador Instituto do Cérebro do RS (InsCer), que faz parte do projeto VIVA – Vida e Violência na Adolescência. Foi a primeira vez que um estudo de neuroimagem analisou como a violência afeta o cérebro de adolescentes latino-americanos. A pesquisa foi publicada na revista científica internacional Developmental Science.
O atual governo federal e sua política genocida e de incentivo ao armamento podem ser fatores de agravamento das mortes por armas de fogo em todo o Brasil. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (2019 a 2021), o registro de armas de fogo pela Polícia Federal mais do que triplicou em relação aos três anos anteriores (2016 a 2018). “A facilidade no acesso a armas, implementadas como política do atual governo federal, gerando como consequência uma maior circulação de armas de fogo ilegalmente pelos grupos dentro das comunidades, sem qualquer controle, intensificando conflitos e respostas violentas letais”, analisa Romero.
Para o especialista, a única forma de sanar as violências contra crianças e adolescentes é por meio de ações integradas das políticas setoriais entre os municípios, sobretudo da região metropolitana de Recife. “Ações de inteligência da segurança pública para diminuir a circulação de armas de fogo dentro da comunidade, diminuindo a capacidade violenta dos grupos rivais da comunidade”.
Fogo Cruzado
O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida. Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 20 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife e, em breve, em mais cidades brasileiras. Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.
Confira o Relatório Anual completo a seguir: