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O marco é ancestral: Povos Indígenas do Brasil lutam por direitos no 20° Acampamento Terra Livre

| 22 de abril de 2024
Reportagem: Luana Farias / Arte: Alcione Ferreira sobre quadro de Thierry Frères

No último dia 17, o presidente Lula assinou a demarcação de duas Terras Indígenas (TI), na Bahia e no Mato Grosso. Com essas, são dez terras desde a posse do seu terceiro mandato, iniciado em 2023. Em abril do ano passado, Lula se comprometeu com todos os territórios que estão em pendência de demarcação. Uma média de 200 terras, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). 

Há o que comemorar comparado aos graves retrocessos do último desgoverno, sob as ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas o avanço do governo atual sobre os direitos indígenas ainda é lento. Muitas das promessas às populações indígenas continuam pendentes e esse é um dos pontos de cobrança levantados na 20° edição do Acampamento Terra Livre (ATL). 

Iniciado nesta segunda-feira (22), com programação até a sexta-feira (26), o ATL é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e foi fundado, em 2004, como protesto contra a política indigenista vigente na época.

A maior mobilização indígena do Brasil reúne organizações e povos originários de comunidades de todo o país. Ao longo dos anos, a força do movimento resulta em significativas conquistas como a criação do Conselho Nacional da Política Indigenista (CNPI), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI) e da participação de representantes dos povos indígenas em instâncias que tratam da promoção e efetivação de direitos.

O povo Xukuru do Ororubá, pertencente a Aldeia Pedra D’água, de Pesqueira, em Pernambuco, se soma à corrente de resistência, em Brasília. Uma delegação com mais de 100 pessoas, chega à cidade nesta segunda-feira, para ecoar vozes às reivindicações por terra livre, demarcação de territórios e defesa das vidas indígenas. 

“…Retomada não é apenas uma palavra, é a forma desenvolvida por nós, povos indígenas, para explicar a ação de recuperar algo que nos foi tomado”. 

A afirmação da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, marcou a Primeira Reunião Ordinária de reabertura do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), na última quarta-feira (17), no Palácio da Justiça, em Brasília.

A anistia de povos indígenas como um dos passos para a reparação

Reprodução do livro “Os fuzis e as flechas” de Rubens Valente

Os povos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, e Krenak, de Minas Gerais, foram as primeiras comunidades indígenas a receber reparação coletiva da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), em razão das violações sofridas na ditadura militar. O colegiado concedeu, no dia 2 de abril deste ano, um pedido de desculpas formal em nome do Estado e reconheceu as consequências das ações ditatoriais contra os povos. 

A reparação coletiva é a primeira desde a criação da Comissão de Anistia, em novembro de 2002, e está prevista no novo regimento interno, aprovado em 2023. Segundo o documento, dentre as medidas que os grupos anistiados têm acesso estão a retificação de documentos, o tratamento de saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a recomendação para demarcação de territórios. 

A primeira vez que a Comissão reconheceu pedido de anistia a uma pessoa indígena foi em 2013. Membro da Aldeia Maracanã, Tiuré Potiguara, tinha 64 anos quando pediu o reconhecimento de anistiado político e o julgamento de seus torturados. Tiuré lutou contra a exploração dos povos indígenas e de seu território, entre 1970 e 1983. Foi torturado, forçado ao exílio e fugiu para o Canadá, onde foi reconhecido como refugiado político pela Organização das Nações Unidas (ONU). 

Voltou para o Brasil em 2010 e iniciou o levantamento da documentação que comprovava sua trajetória política. Antes de ter o pedido de reparação aceito, Tiuré passou por dificuldades para convencer a Comissão da Anistia. Com o aceite, após resistências, foi definido o recebimento de 90 salários-mínimos como reparação. 

A força da memória para os povos indígenas

Durante a sessão de julgamento dos povos Guarani-Kaiowá e Krenak, no início de abril deste ano, a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joenia Wapichana, defendeu a importância da anistia para todos os povos originários e da responsabilidade com a implementação da política indigenista brasileira. Joenia Wapichana é a primeira mulher indígena na presidência da FUNAI, desde a criação do órgão, em 1967. Segundo ela, “é importante para a história de um país e para a história de um povo, quando se é reconhecido como parte da sociedade para que não sejamos excluídos”.

A ditadura militar cravou, na história do Brasil, marcas profundas de anos de violações e omissão do Estado. Aquele foi mais um período da história do país em que populações indígenas sofreram genocídio sistemático e estatal, com invasões e explorações de povos e terras, e investidas para o apagamento de culturas.

Ancestralidade é diálogo entre passado, presente e futuro

“A memória tem uma importância muito grande para os povos indígenas porque, com ela, sabemos de onde viemos e para onde queremos ir. Ela não é simplesmente apagada, mas serve para corrigir erros e fazer acertos, principalmente, na administração de um país”

frisou Joenia Wapichana.

Entre retrocessos, avanços e contradições históricas, a luta por direitos para os povos originários segue urgente. A proteção da terra, da vida e da história em continuidade, deve passar pelo reconhecimento de que o Brasil é terra indígena. Lutar pela demarcação dos territórios é garantir a democracia do país e honrar a memória e a história dos povos originários. 

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