Nossa Voz

“O Capitalismo Não Quer que a Gente Viva”

| 8 de março de 2024
Fotos e reportagem: Alcione Ferreira

Uma coisa chama atenção quando se chega ao hall de entrada da sede da Superintendência do Trabalho de Pernambuco: Há uma placa ao lado esquerdo do elevador identificando as salas existentes em cada andar. no terceiro há a seguinte informação “Gabinete do Superintendente”, a contração da preposição “de” com o artigo definido “o” indica que o sujeito em questão é do gênero masculino. Porém, ao entrar na sala quem está a frente da instituição é Suzineide Rodrigues, mulher negra pernambucana, de origem periférica, sindicalista e militante feminista que hoje ocupa o órgão do Ministério do Trabalho que havia sido extinto durante o desgoverno Bolsonaro. A chegada de Suzineide, a primeira negra e sindicalista à frente da superintendência indica o início da retomada de uma instituição fundamental no processo de reconstrução do Brasil: estamos falando de uma trabalhadora dialogando para e com trabalhadoras/es.

Suzi, como é conhecida e reconhecida por todas/os, é dessas que personificam a definição mais objetiva do que significa força, luta e resistência. Sua linha do tempo desconhece outro viver que não o de constante enfrentamento ao modelo patriarcal, que historicamente a fez ser referência nacional pela defesa intransigente da vida de mulheres e da classe trabalhadora. Ela reconhece as adversidades e entraves impostos pela sociedade por ser quem é, mas é firme ao se colocar no mundo: “Eu não sou de desistir”, avisa logo, como boa nordestina que sabe bem o que é viver na teimosia. Tem severas críticas ao modelo capitalista que alimenta a estrutura do patriarcado que anula as mulheres, especialmente as com mais de 50 anos de origem humilde e negras: “O capitalismo não quer que a gente viva”, alerta a também socióloga, formada pela Universidade Federal de Pernambuco.

Para Suzineide a principal luta das mulheres hoje é manterem-se vivas diante dos elevados números de feminicídio no Brasil. Sua afirmação guarda relação importante com a constatação desta revoltante realidade estampada em diversos estudos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023 foi apontado como o ano de maior incidência de casos de feminicídio: pelo menos 1.463 mulheres assassinadas no país, e estamos falando de casos devidamente notificados. Há que reconhecer a subnotificação como um dos aparatos do machismo brasileiro, onde meninas e mulheres são mortas em ambientes domésticos, por companheiros e/ou outros entes familiares do gênero masculino. Os dados divulgados pelo FBSB foram colhidos desde 2015, período que demarca a criação da legislação sobre feminicídio.

“Eu não sou de desistir”

Suzineide Rodrigues

“Entrei na igreja para bordar e saí de lá militante” : o convívio de Suzineide com Dom Helder”

A história de vida de Suzi é por si só significado de resistência: nasceu em Brasília Teimosa, periferia da zona sul do Recife, ainda na infância mudou-se com a família para outra região periférica da capital pernambucana, em Dois Carneiros. Por lá cresceu e aprendeu a ser firme em suas resoluções. Na adolescência conheceu o que é organização popular através da igreja católica com Dom Helder Camara, que aliás, foi quem fez sua crisma na igreja, com quem teve os primeiros diálogos que fortaleceriam seu entendimento sobre as lutas de classe: “Ele (Dom Helder) era um homem ao mesmo tempo doce e extremamente decisivo com a defesa dos direitos humanos” . Aquela convivência com o Dom da Paz também pode ser entendida como o início do consolidação do corpo e das ideias políticas de uma menina mulher periférica e da pele preta: “Entrei na igreja para bordar e saí de lá militante”, destaca.

Outra lembrança marcante, ainda na sua adolescência, e que viria a ser um prenúncio dos passos seguintes de sua vida foi o dia em que Suzi foi ver de perto, e escondida da mãe, um ato de trabalhadores rodoviários em greve no centro do Recife. Então com 17 anos, viu e sentiu aquela manifestação de pertinho: multidão, coletividade, punhos cerrados, faixas de reivindicação trabalhista estendidas, braços dados, megafone, palavras ditas em uníssono. A então estudante se encontrara com a futura líder sindical que se tornaria anos mais tarde, em 1991, atuando fortemente no Sindicato dos Bancários de Pernambuco. Por lá, Suzi foi eleita duas vezes para a presidência da entidade. Destaca-se durante sua gestão a criação de projeto de enfrentamento ao assédio moral, que mais tarde viria a ser incorporado ao CCT da categoria.

A sua extensa e movimentada trajetória como militante ainda inclui sua candidatura para deputada estadual de Pernambuco pelo Partido dos Trabalhadores em 2022 onde chegou a receber mais de 11 mil votos. Para Suzi é fundamental ocupar espaços no parlamento e fazer valer as reivindicações daquelas e daqueles que sofrem cotidianamente com as injustiças sociais no Brasil. Ela também integra a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, inclusive, a atuação coletiva no movimento negro de mulheres lhe trouxe aprendizados que fazem a diferença no seu olhar militante e político em defesa dos direitos humanos. “Eu já passei por situações de racismo que só entendi que aconteceram depois que me empoderei no movimento e isso é um aprendizado constante”.

Etarismo: mais um desafio a ser encarado pelas mulheres trabalhadoras

Um estudo realizado pela Ernst & Young juntamente com a agência Maturi em 2023 sobre o perfil do mercado brasileiro para pessoas com mais de 50 anos apontou que pelo menos 78% das empresas pesquisadas se declararam etaristas e com dificuldade de inserir pessoas nesta faixa etária em suas instituições. “Não absorver as pessoas mais velhas é uma incompreensão, assim como é uma contradição imensa não absorver a juventude para o primeiro emprego“, comenta Suzi. E é uma constatação, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) através do IBGE revelou que a população brasileira com mais de 50 anos saiu de 23% para 28% entre 2012 e 2019, além disso o IBGE mostra que pelo menos 17 milhões de famílias tem seu sustento advindos dos proventos de pessoas acima dos 60 anos, muitas dessas em subempregos ou com aposentadorias mínimas. O estudo aponta que a previsão é de que até 2040 seis a cada dez trabalhadoras/es brasileiras/os tenham idade acima de 45 anos.

Esse quadro indica que o país terá que formular políticas públicas que olhem de forma efetiva para esta realidade. Suzi, do alto de seus recém completados 60 anos de idade é enfática ao revelar os contrastes sociais no Brasil : “Eu acho que é uma grande contradição que o capitalismo reforça, jogando com as gerações mais velhas e mais novas. Na verdade ele ( o capitalismo ) quer sempre reforçar uma concorrência e nunca quer investir no equilíbrio porque o que importa é ter uma massa de manobra, desempregada e explorada.” conclui.

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