Texto: Lenne Ferreira | Crédito: Angola Filmes
“Não somos silenciosas, fomos silenciadas. Não seremos mais caladas”, afirmaram meninas negras, quilombolas, com deficiência, indígenas, do campo e das florestas, das periferias e favelas no manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação lançado pela Rede Malala no Recife. O encontro reuniu ativistas, representantes de organizações sociais, sociedade civil, além de pré-candidatos e candidatas às eleições de 2022 e foi marcado por reflexões de jovens com vivências diversas, música e esperança em um país que promova o desenvolvimento integral das meninas.
O documento foi elaborado por um comitê de 20 meninas de todas as regiões do país durante encontros focais com ativistas que compõem a Rede Malala. Parte da comissão esteve presente no lançamento e chegou ao prédio da Defensoria Pública da União com muita empolgação. Com looks especiais, elas levaram uma alegria contagiante para a plateia. Uma energia que foi explicada durante as falas, quando expressaram o legado de participar da experiência em suas formações.
“A gente necessita desse espaço. O manifesto chegou para mim numa hora muito boa porque me fez entender muitas outras coisas. Quando outras pessoas perguntarem, vou saber explicar para elas. Está sendo uma experiência incrível”, diz Carolaine Nascimento, jovem negra da Ocupação Vila Independência, ZEIS de Nova Descoberta, periferia do Recife, participante de um dos projetos do programa Direito à Cidade desenvolvido pelo Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – CENDHEC, e integrante do grupo de meninas que formulou o Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação.
As jovens puderam falar sobre o processo de construção durante uma conversa com a pedagoga do Cendhec e ativista da Rede Malala, Paula Ferreira, que integra a equipe do projeto “Na trilha da Educação. Gênero e Políticas públicas para meninas” desenvolvido pelo centro em parceria com o Fundo Malala e participou da facilitação para elaboração do manifesto. “Tenho falado muito porque é importante pensar uma educação que possa incluir todas e todes. Infelizmente o cenário é muito ruim, sobretudo para as meninas, o que diz muito sobre porque estamos aqui entendendo como a educação precisa ser repensada que não aprofunde as desigualdades”, afirmou ela.
Entre as exigências apresentadas no documento estao a defesa de uma educação antirracista, anti-capacitista, anti-machista, anti-LGBTQIA+fóbica que ensine “sem preconceitos e estereótipos a história e a cultura dos povos indígenas e afro-brasileiros”. Além da valorização e salário de professoras/es, o manifesto pede uma educação inclusiva, que não exclua estudantes com deficiência, e que repare “parte da dívida histórica do Estado brasileiro com suas populações mais violentadas e oprimidas”. As meninas pedem ainda o fim da “opressão do elitismo e embranquecimento”.
A implementação do novo ensino médio, os cortes na educação, a evasão escolar e os impactos da pandemia e da violência contra a população negra, indígena e pobre foram apontados como problemas que “atropelam os sonhos” das meninas. “Eu não quero mais uma educação que me faça sentir medo de expor minhas opiniões. Eu quero uma educação em que eu possa ser eu mesma, com minhas heranças culturais e sociais, em um ambiente onde ser diferente não me torne excluída”, afirma Lorrane Macedo, 19 anos, jovem negra do campo Peritoró (MA) e integrante do grupo de meninas que formulou o Manifesto.
Maria Clara Tumbalalá, 18 anos, jovem indígena do norte da Bahia, que chegou com os signos que marcam a cultura do seu povo, deu um depoimento sobre o preconceito que vivencia no seu cotidiano. Ela também ressaltou a importância da sociedade pesquisar mais sobre os povos originários como forma de entender e não reproduzir racismo e lembrou da força da juventude. “Muitas vezes, as vozes das pessoas jovens são ignoradas pelas pessoas. Costumam falar que os jovens são o futuro, mas também somos o presente”, diz Maria Clara.
Leia a íntegra do Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação
Lorena Bezerra, jovem quilombola e integrante do grupo de meninas, carregava no brinco o orgulho pela comunidade Conceição das Crioulas, onde atua a ativista pela educação do Fundo Malala Givânia Silva, refletiu sobre a importância de valorização do conhecimento e oralidade de populações tradicionais. “Sou tudo o que o Estado odeia. Como menina negra, de comunidade tradicional, um dos maiores desafios da nossa educação é a educação diferenciada. A nossa maior luta é que o Estado reconheça a nossa forma de educação. Porque a gente quer, sim, contar nas nossas escolas a história da nossa comunidade”, pontuou.
O evento contou ainda com a participação de Miriam Kirubel, gerente do programa da Rede Global de Ativistas pela Educação do Fundo Malala. “Junto com nossos parceiros e meninas de todo o Brasil, representantes das comunidades negra, indígena, quilombola e LGBTQIA+, vislumbramos compartilhar a perspectiva de como pode ser uma educação mais inclusiva, mais relevante e transformadora. Vamos ouvir o que essas meninas têm a dizer porque nós, juntas, podemos fazer acontecer”, disse durante a mesa de abertura ao lado de Maíra Martins, representante do Fundo Malala no Brasil, Cássia Jane, do Centro das Mulheres do Cabo, Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ambas ativistas integrantes da Rede Malala no Brasil, e Luani Melo, Defensora Pública da União no Recife.
Maíra Martins comemorou o momento exaltando a articulação da Rede Malala para construir um caminho mais igualitário para as meninas do Brasil. “Temos uma Rede de 11 ativistas e organizações que tem lutado para que todas as meninas tenham direito a uma educação pública, de qualidade, antirracista, não sexista, com prioridade, sobretudo, para meninas negras, quilombolas, indígenas, periféricas que tem sofrido diferentes discriminações e a negação do direito à educação”. E destacou ainda o esforço das(os) ativistas para incidir politicamente e gerar resultados no campo prático.. “Esse momento hoje é fruto do trabalho coletivo dessa rede que tem desenvolvido estratégias de uma ação para colocar, realmente, a educação das meninas como prioridade para as eleições, para os próximos anos de pós-pandemia e crise econômica que estamos vivendo”.
Assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc ) e integrante da Rede Malala no Brasil, Cleo Manhas lembrou os desafios do cenário atual, que teve problemas aprofundados durante a gestão do atual presidente do país. “O que tem acontecido ao longo dos anos, e especialmente nos últimos três anos, é que o financiamento da educação tem sido reduzido. Em vez de financiar, estamos desfinanciando a educação. Então é um papel enorme de todas nós ativistas e todas as pessoas que se preocupam com a educação atuar por um financiamento adequado da educação”, defendeu.
Ao som da MC Nany Nagô, artista do Cabo de Santo Agostinho, que compôs a música da Campanha #MeninasDecidem, as jovens comemoraram a conclusão de uma etapa importante de construção coletiva. A esperança em dias com mais garantia de direitos para meninas e mulheres, no entanto, não diminui os desafios a serem enfrentados e que exige uma vigilância permanente além da conscientização da sociedade, como foi pontuado durante as reflexões e trocas.
Encontro cobrou compromisso de candidatas(os) às eleições
Durante o lançamento, diversas (os) candidatas (os) às eleições 2022 escutaram as prioridades elencadas no manifesto #MeninasDecidem para a Educação no Brasil. A Carta compromisso pela Educação, ação da Rede Malala em parceria com a Campanha Nacional pela Educação, foi apresentada por Andressa Pellanda durante o encontro, e contou com a adesão de nomes de siglas partidárias como PT, PSol e Rede.
As (os) candidatas(os) Sylvia Siqueira, Ivan Moraes, Carol Vergolino, Robeyoncé Lima, Eugênia Lima, João Arnaldo, Débora Aguiar, Teresa Leitão, Dani Portela assinaram a carta assumindo o compromisso de representar as pautas defendidas como estratégicas para garantir o direito à educação e à vida. “Um princípio político-pedagógico dessa rede é a construção de um advocacy participativo. É importante que não apenas nós estejamos à frente, mas que as meninas estejam conosco aprendendo esses processos e ocupando esses espaços negados historicamente para elas”, defendeu Rogério Barata, educador do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) e Ativista pela Educação do Fundo Malala no Brasil.
Veja como foi o evento de lançamento: Youtube do Fundo Malala
Campanha #MeninasDecidem
Para ampliar o engajamento nacional em torno do Manifesto #MeninasDecidem, a Rede Malala lança uma chamada para meninas de todo o Brasil compartilharem suas demandas para a educação, por meio de vídeo, áudio ou texto, pelas redes sociais. Basta marcar a @RedeMalala no Instagram ou Facebook. Os depoimentos serão compilados e divulgados pelos canais digitais globais do Fundo Malala.
Sobre a Rede Malala
Inspirado pelas raízes de Malala e Ziauddin Yousafzai, que endossa o Manifesto #MeninasDecidem, o Fundo Malala estabeleceu em 2017 a Rede de Ativistas pela Educação (Education Champion Network) para investir, apoiar o desenvolvimento profissional e dar visibilidade ao trabalho de mais de 80 educadoras/es de dez países (Afeganistão, Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Líbano, Nigéria, Paquistão, Tanzânia e Turquia) que trabalham a nível local, nacional e global em defesa de mais recursos e mudanças políticas necessárias para garantir o direito à educação das meninas.
No Brasil, a Rede é formada por 11 ativistas e suas organizações e implementa projetos em diversas regiões do país para quebrar as barreiras que impedem meninas de acessar e permanecer na escola, com foco em meninas negras, indígenas e quilombolas. A Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil é formada pela seguintes ativistas e suas organizações:
Ana Paula Ferreira De Lima | Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ)
Andréia Martins de Oliveira Santo | Redes da Maré
Andressa Pellanda | Campanha Nacional pelo Direito à Educação Benilda Regina Paiva De Brito | Projeto Mandacaru Malala
Cassia Jane Souza | Centro das Mulheres do Cabo (CMC)
Cleo Manhas | Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Denise Carreira | Ação Educativa
Givânia Silva | Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
Paula Ferreira da Silva| Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
Rogério José Barata | Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)
Suelaine Carneiro | Geledés Instituto da Mulher Negra