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Mulheres e meninas que pesquisam: protagonismo e desafios nas ciências

| 13 de fevereiro de 2023

No Brasil, nomes como Enedina Alves, Maria Beatriz do Nascimento e Simone Maia Evaristo, nos campos das ciências exatas, humanas e biológicas respectivamente, seguem inspirando e engajando outras meninas a seguir na área. 

Texto: Ariel Lins

Arte: Alcione Ferreira

Quando pensamos na palavra “ciência”, a primeira coisa que vem em mente é a imagem de um homem e nomes como: Albert Einstein, Charles Darwin, Isaac Newton. Pode não ser óbvio para alguns, mas todas as imagens relacionadas à ciência ou pesquisa presentes no cotidiano são predominantemente masculinas. O Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência é celebrado no dia 11 de fevereiro, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), que visa promover um debate e ampliar a relevância da presença feminina nas áreas de pesquisa. No Brasil, nomes como Enedina Alves, Maria Beatriz do Nascimento e Simone Maia Evaristo, nos campos das ciências exatas, humanas e biológicas respectivamente, seguem inspirando e engajando outras meninas a seguir na área. 

De acordo com os dados divulgados no último relatório da Unesco, agência da Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres representam apenas 28% dos pesquisadores no mundo e a diferença aumenta ainda mais em função de gestão. Segundo a agência, essa porcentagem é por diversos fatores: difícil acesso a investimentos; redes de estudos; questão racial; classe e gênero. 

A desigualdade de gênero no campo científico é maior quando se eleva o grau de carreira. Nas ciências exatas a disparidade aumenta: menos de 20% na graduação e 5% em doutorado, segundo o relatório da Elsevier intitulado “A jornada do pesquisador através da lente de gênero”. Esses dados reforçam a necessidade de políticas públicas e parcerias com universidades que incentivem  mulheres e meninas na área de pesquisa. 

INCENTIVAR PARA ABRIR PORTAS

Foi pensando na falta de incentivo para meninas entrarem no mundo da ciência que Giovanna Machado, diretora da Centene Brasil, uma unidade de pesquisa do Nordeste ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), criou um programa chamado Futuras Cientistas de incentivo à pesquisa, voltado para estudantes meninas da rede pública de ensino. Essa iniciativa mudou a realidade de Sarah Milena, 20, estudante de engenharia civil na Universidade de Pernambuco (UPE).

Sara Milena, estudante da UPE. Foto: Arquivo Pessoal

“Eu comecei a fazer iniciação científica no Cetene, minha pesquisa foi relacionada a área de engenharia civil, foi um desenvolvimento tecnológico para aplicar na construção civil. Começar na área de pesquisa abriu muito meus horizontes, foi me dando mais bagagem, mais gosto para poder escolher uma graduação. Essa parte de pesquisa foi crucial no meu desenvolvimento, foi o programa futuras cientistas e outros também do ensino médio que me cativou e incentivou. Então é importante, principalmente no ensino médio, sermos estimuladas a esses projetos para quando chegar na universidade, ter uma experiência até na questão da escolha de uma profissão. Pela primeira vez eu estava de fato fazendo um estudo sobre algum problema relacionado a área de graduação, para desenvolver algo bom”, comenta. 

“Na minha infância, eu sempre tive muito apoio da minha família em relação aos estudos. Meu pai é formado em TI (Tecnologia da Informação), ele sempre quis que eu fosse ligada a área de exatas. Mas em relação às mulheres da minha família, a referência que eu tenho sempre foi esse cuidado e incentivo à educação. Então muitas vezes minha mãe deixa de fazer algumas coisas para me levar no curso, sempre estimulando e apoiando. Foi esse apoio que me fez querer fazer o que eu tinha vontade”, diz. 

GÊNERO E RAÇA

A questão de gênero também está ligada à questão racial, e quando se fala em mulheres negras na ciência essas disparidades aumentam. Apenas 7% das pesquisadoras com bolsa de produtividade em pesquisa CNPq são negras. A baixa representatividade de mulheres negras na atividade científica denuncia a confluência do racismo e sexismo. Em 2023 este cenário ainda permanece o mesmo, mas com alguns avanços em relação à visibilidade de pesquisadoras negras na construção desse conhecimento, foi desmistificando as ciências como uma atividade unicamente masculina, branca e de laboratório.

Para Taís Nascimento, especializada em Design de Interação e Interfaces, a educação sempre foi uma arma contra as disparidades raciais e de gênero. “Mesmo tendo uma família pobre em relação aos acessos básicos como: moradia, saúde e educação; a educação sempre foi prioridade, meu avô sempre deu prioridade aos estudos das meninas em uma época que não era comum priorizar a educação de mulheres negras periféricas. Isso foi uma coisa geracional, minha mãe deu continuidade a isso, sempre teve esse respaldo emocional de que a educação é que vai mudar nossa trajetória”, comenta.

Taís Nascimento, Designer. Foto: Arquivo pessoal

“Eu era a exceção na minha faculdade, eu era a única mulher negra na sala, nos congressos e nos empregos. Hoje, a gente começa a entrar no mercado, e a gente começa a enxergar que o processo da lei de cotas nos anos 2000, também traz um outro público que começa a acessar a universidade e começa a se questionar. Porque a gente não está lá? Porque a gente não é referência? A gente começa a enxergar esse movimento de inquietação e de questionamento em todas as áreas e na tecnologia não foi diferente”, diz.

“Quando a gente pensa em mulheres negras e periféricas que por vezes tem acesso a uma escolaridade deficiente isso impacta o desenvolvimento no trabalho e em outras áreas. Tem uma série de exigências que acabam afastando as mulheres de alguns eixos. Essas exigências não foram feitas pensando na realidade social de algumas pessoas, são lugares pensados para pessoas que tiveram outra trajetória diferente da minha, por exemplo”, explica. 

Taís aponta para uma questão fundamental acerca das desigualdades de gênero e racial na ciência: realidades sociais diferentes acabam afastando as mulheres da educação, ou seja, quanto maior o grau de vulnerabilidade social e econômica, maior o índice de mulheres e meninas sem acesso a escolaridade , dificultando assim o ingresso e  a permanência nas universidades e áreas de pesquisa. “Chegar ao topo da liderança é cada vez mais desafiador, isso a gente enxerga inclusive entre mulheres de forma geral, aquela base mais operacional você consegue ver mais diversidade, quando você começa a subir mais para as áreas de gestão nós diminuímos cada vez mais”, comenta. 


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