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“Minha aldeia é o meu lugar”: conheça as raízes de Jeane Lúcio, indígena do povo Fulni-ô

| 9 de agosto de 2023
Reportagem: Maria Clara Monteiro

“Temos uma história viva para contar. Tenho muito orgulho de ser indígena. Eu sou guerreira Fulni-ô.” O afeto que transborda na fala pertence a Jeane Lúcio: mulher, professora, mãe, indígena nascida e criada na aldeia Fulni-ô, localizada no município de Águas Belas, em Pernambuco, e membra benemérita da Academia Aguasbelense de Letras (AABL).

A vivência de Jeane é marcada pelo sentimento de territorialidade ao lugar em que nasceu. Ela nunca morou em outra área a não ser na aldeia, mesmo trabalhando na cidade.

Seu povo, Fulni-ô, tem como tradução “povo da beira do rio”. Segundo pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco, este é um dos grupos do Nordeste, juntamente com grupos indígenas do Maranhão e os Pataxó do Sul da Bahia, que conseguiram manter viva a sua língua nativa. No caso dos Fulni-ô, o Yatê.

Jeane sabe do valor da sua origem. E exalta, com primor, a educação recebida pelos seus pais, mesmo diante das dificuldades. “Eu venho de uma família humilde, mas grande. São oito irmãos. Eu cresci com o artesanato e a agricultura. Era como sobrevivíamos. Meu pai nos acordava às quatro da manhã para a gente subir a Serra do Jenipapo para plantar e colher. Almoçávamos embaixo de uma mangueira. Minha mãe cozinhava em panela de barro. E quando chegava a hora da escola, nossos irmãos mais velhos desciam para nos levar”, relembra.

Consciente da importância dos estudos, seu pai preocupava-se com o seu futuro. Apesar de não ler e nem escrever, foi ele quem ensinou o pouco que sabia à Jeane, que logo ingressou na escola indígena. “Meus pais deixam uma raiz muito forte. Foram eles quem me alfabetizaram, mesmo que nunca tenham ido à escola. Eu dormia na esteira com os livros embaixo do cobertor, que minha mãe ajeitava, porque não tínhamos travesseiro. Foi assim que a gente foi crescendo e abraçando os estudos”, rememora.

Casas da aldeia Fulni-ô, localizadas em Águas Belas, o mesmo modelo de morada onde Jeane passou sua infância

Aos 15 anos, Jeane se viu diante de uma nova oportunidade: estagiar em uma sala de aula. “Esse foi o meu primeiro emprego. Em um mês, eu ganhei R$ 20,00. Foi com esse valor que eu comprei um fogão a gás para a minha mãe. E eu disse para ela: ‘a senhora nunca mais cozinha com lenha’. Foi a maior felicidade para ela”, conta.

A vida seguiu seu rumo e, aos 17, ingressou no cargo de professora da prefeitura de Águas Belas. “Comecei a ensinar onde eu comecei a estudar. Eu fui para a minha aldeia e trabalhei cinco anos no meu lugar. Sempre refletíamos sobre como trabalhar a educação indígena na comunidade”, enfatiza.

Jeane defende a educação indígena e acredita que a leitura é primordial para desenvolvimento estudantil

Relembre aqui a matéria que o Cendhec produziu sobre a Escola Indígena Bilíngue Antônio José Moreira, em Águas Belas.

Assim que concluiu a faculdade em Pedagogia, seguiu estudando e conquistando novos cargos ligados ao âmbito educacional no município. Os aprendizados foram tantos que marcam a sua vida até hoje.

No mês de abril desse ano, Jeane Lúcio tornou-se membra benemérita da Academia Aguasbelense de Letras (AABL). Em uma cerimônia emocionante, ela relembrou a história de seu povo e marcou a conquista como um espaço de representatividade. “Ainda é muito novo, mas me sinto muito feliz em estar lá e poder, de uma forma muito humilde, compartilhar saberes e também aprender”, exterioriza.

Academia Aguasbelense de Letras realiza homenagem para Jeane

Com orgulho, ela relata que seus três filhos e um neto prosseguem seu legado. “Temos que seguir dando continuidade à educação que nossos pais nos deram, o que a ancestralidade deixou para a gente. Permanece viva a nossa cultura, a nossa história e não podemos perder. É a nossa identidade. As nossas lutas estão se alargando pelos direitos e pelo respeito, para manter viva a nossa cultura e história. Não podemos perder a nossa essência”, sustenta.

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