12 de agosto de 1983
“- É dona Margarida?”
“- Sim.”
Depois disso o som de um forte estampido disparado por uma arma calibre 12 interromperia não só a calma dentro da casa de Margarida Maria Alves, mas a vida de uma mulher, trabalhadora rural, mãe e líder sindical, aliás, a primeira de Alagoa Grande, na Paraíba e uma das pioneiras no Brasil.
Margarida, a irmã mais nova dentre oito irmãos, passou a infância e juventude no Sítio Jacu, localizado na zona rural da Paraíba, até a família ser forçada a abandonar suas terras devido à pressão de grandes latifundiários. Transferiram-se então para a periferia do estado. E mesmo sob inúmeras adversidades, sua determinação em lutar pelas famílias do campo a conduziu à eleição para a presidência do sindicato dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande em 1973, aos 40 anos de idade.
Durante esse período enfrentou um cenário dominado por usineiros e violência no campo. Sua energia foi direcionada para garantir os direitos das/os trabalhadoras/es rurais, como a assinatura da carteira de trabalho, direito a férias e ao décimo terceiro salário, bem como por uma jornada diária de trabalho de oito horas, além do enfrentamento ao trabalho infantil.
Sua gestão à frente do sindicato foi pautada pela valorização e garantia da educação tanto das crianças quanto de adultos. Destacou-se pela criação de um programa de alfabetização inspirado na pedagogia de Paulo Freire, imprimindo sua visão e compromisso com a emancipação do povo do campo.
Foram mais de 100 ações trabalhistas movidas por Margarida durante sua gestão no sindicato das/os trabalhadoras/es rurais. Só em 1983, ano de sua morte, foram 72 processos contra usineiros da região. Ela chegou a falar publicamente várias vezes sobre as ameaças de morte que vinha recebendo por telefonemas e cartas anônimas. No dia do trabalhador daquele ano chegou a tocar no assunto mais uma vez, onde iria proferir a frase que se tornaria símbolo de sua jornada: “Da luta não fujo. É melhor morrer na luta do que morrer de fome, porque medo a gente tem, mas não usa. Da luta eu não fujo!”.
Margarida foi assassinada na presença do marido e do filho, na época uma criança de 8 anos. Ninguém foi responsabilizado pelo crime, apesar da repercussão e das denúncias feitas pelo Ministério Público. O caso chegou a ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Um vasto jardim floresceu da terra árida onde a semente germinou
Danado é que aquela manhã violenta de 12 de agosto de 1983, contrariando qualquer lógica científica, consistiria também, na demarcação do renascimento de Margarida em muitos outros corpos de mulheres, dezenas delas, centenas, ou melhor: milhares. Companheiras vindas não só de Alagoa Grande ou cercanias brasileiras, mas de toda América Latina. Mulheres oriundas do campo, da cidade, das florestas e das águas, que conseguiram emergir e abafar aquele som seco e metálico da arma calibre 12 que atingiu o rosto da líder sindical há 40 anos. Estamos falando da Marcha das Margaridas realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). São elas com suas vozes e sotaques diversos a entoar canções e palavras de ordem pelo fim da violência de gênero e em defesa dos direitos das mulheres no trabalho, na sociedade, política, educação, e na sexualidade.
A história de Margarida Alves é um lembrete contundente de que uma única vida pode desencadear um furacão de mudanças. Esse ano, em sua 7° edição, a Marcha das Margaridas conta com a maior adesão desde sua criação, em 2001: São mais de 100 mil mulheres vindas de vários estados e países da América Latina, que irão se encontrar em Brasília durante os dias 15 e 16 de agosto com o lema “Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”.
Segundo Joana Santos, integrante da AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras) e representante da coordenação ampliada da Marcha das Margaridas “A expectativa é de um novo cenário com a posse de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da república e a volta da democracia no Brasil. O panorama é de retomada de diálogo e fortalecimento e autonomia dos movimentos sociais, especialmente os movimentos de mulheres”, explica.
A pauta é extensa e foi entregue em junho ao governo federal com 13 eixos temáticos que abordam conteúdos como: Educação Pública não Sexista e Antirracista e Direito à Educação do e no Campo ; Universalização do Acesso à Internet e Inclusão Digital; Autonomia e Liberdade das Mulheres sobre seu Corpo e sua Sexualidade. Você pode conferir a pauta completa da edição 2023 aqui.
“A expectativa é de um novo cenário com a posse de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da república e a volta da democracia no Brasil.”
Joana Santos, integrante da Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB) e da coordenação ampliada da Marcha das Margaridas edição 2023
No cenário local, Joana explica sobre a preparação para a marcha, que tem uma duração de 4 anos e envolve um esforço conjunto de diversos grupos da sociedade civil a exemplo de sindicatos, coletivos e movimentos sociais: “Pernambuco exerce um papel importante nesse contexto da construção conjunta para a marcha. Na edição de 2019 tivemos a segunda maior delegação. A expectativa é seguirmos daqui com 3 mil mulheres, considerando ,sobretudo, o processo preparatório com essas companheiras através dos encontros, oficinas e planejamentos de conteúdos. Isso acontece anterior à marcha, que é muito mais que um evento”, reforça.
As Margaridas acumularam uma série de realizações ao longo dos últimos anos, fruto das reivindicações e pautas defendidas desde a primeira edição da marcha a exemplo da criação do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural em 2004 e o estabelecimento do Programa de Apoio à Organização Produtiva de Mulheres Rurais em 2008. Além da criação do Fórum Nacional Permanente de Combate à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e o estabelecimento da Coordenadoria de Educação do Campo no Ministério da Educação (MEC). “Temos um desafio pós marcha de continuidade da articulação política, no sentido de acompanhar , monitorar e pressionar a efetivação das pautas de reivindicação nos estados e em especial com o governo federal no compromisso com a democracia e a qualidade de vida na reestruturação desse país para o bem viver das mulheres”, enfatiza Joana sobre os próximos passos das Margaridas.
A marcha das Margaridas vai muito além das fronteiras geográficas de Brasília; é uma grande celebração de companheiras unidas por um querer comum, em prol de justiça e dignidade para todas. A força desse encontro está na diversidade, na união e na resistência. Assim como Margarida Maria Alves, elas não se curvam diante das dificuldades, ao contrário, crescem em número e em coragem, mostrando que não podem aceitar um país que não respeita e valoriza as mulheres.
Serviço
O que?
Marcha das Margaridas
Quando?
15 e 16 de agosto de 2023
Onde?
Brasília
Para mais informações: