Texto: Lenne Ferreira | Vídeo: Alcione Ferreira
Os desafios que precisam ser enfrentados para a construção de uma Educação de qualidade no Brasil são históricos, e se agravaram durante a pandemia de Covid-19. Com um dos maiores orçamentos do governo federal, o Ministério da Educação (MEC) foi um dos mais afetados por cortes de gastos – justamente em um período em que as escolas enfrentam mais dificuldades. Desde que assumiu a presidência, o Governo Bolsonaro instaurou um clima de instabilidade na condução da pasta, o que vulnerabiliza a rede pública de ensino e atinge diretamente 43,9 milhões de estudantes brasileiras (os).
Em menos de quatro anos à frente da administração do país, o mandato do atual presidente da república já protagonizou sucessivos escândalos em seu quadro ministerial. Uma verdadeira dança das cadeiras que expõe um profundo desequilíbrio e desgaste interno gerando retrocessos para o desenvolvimento de ações no campo do ensino no país. Só o MEC, desde a posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, trocou um ministro a cada 296 dias. O Ministério também é o segundo mais afetado pelos cortes de investimentos. Este ano, foram retirados R$ 739,9 milhões do Orçamento, decisão sancionada pelo presidente sob a justificativa de ajuste de despesas obrigatórias com pessoal e encargos sociais
“Estamos falando do aprofundamento das desigualdades educacionais da maioria dos estudantes das escolas públicas“, Rogério Barata (CCLF)
A condução da atual gestão federal impacta diretamente na trajetória escolar de estudantes da rede pública e denuncia um projeto de desmonte das políticas públicas no Brasil. A afirmação é do pedagogo e educador , Rogério Barata, que atua como técnico em projetos Educacionais e Culturais do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) e coordena o projeto EDUCQUILOMBO – Implementação das Diretrizes Curriculares da Educação Escolar em Mirandiba – PE, além de ser membro da Rede Mundial de Ativistas pela Educação do Malala Found Brasil.
“A falta de investimento, por exemplo, é uma primeira evidência desse projeto de destroçamento das políticas educacionais. Em relação aos impactos diretos na trajetória do desenvolvimento educacional de um contingente expressivo da população, vai no caminho da perda. Estamos falando do aprofundamento das desigualdades educacionais da maioria dos estudantes das escolas públicas.
A instabilidade também atinge instituições historicamente importantes na organização de avaliações essenciais para medir a qualidade do ensino no Brasil, a exemplo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC, que prepara a prova do Enem e passa por uma crise de grande proporção. O órgão sofre com a interferência do governo federal no conteúdo de provas, segundo denúncias de servidores, que também acusam o atual governo de assédio moral, episódio que veio à tona no final de 2021.
Todo esse clima de impermanência aliado à pauta conservadora e falta de compromisso com a Educação, com cortes bruscos escândalos que descredibilizam o MEC , tem desviado a atenção necessária para problemas que precisam de enfrentamento como a evasão escolar, que foi agravada pela crise gerada pela Covid-19. Uma pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos calcula que um em cada cinco alunos (ou 20%) do ensino médio da rede pública brasileira ficou sem aulas durante a pandemia – proporção que aumenta para 26,8% entre estudantes de áreas rurais.
Outro indicador que acendeu o alerta de especialistas foi a redução no número de candidatas (os) inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal porta de entrada para o ensino superior. Em 2021, o vestibular teve menos de 3,5 milhões de inscritos, o número mais baixo desde 2005. A prova já chegou a ter 8,7 milhões de participantes.
A evasão atinge com mais força estudantes negras (os). Uma pesquisa intitulada “Educação não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e suas Famílias” revelou que pretas (os) pobres sofreram mais com impactos negativos durante a pandemia. No período mais crítico, quando as escolas fecharam, este foi o grupo que mais demorou para ter acesso a atividades remotas. A análise foi feita pela Plano CDE com base nos dados de pesquisa Datafolha, encomendada por Itaú Social, Fundação Lemann e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e mostrou que em maio de 2020, 79% dos estudantes brancos já tinham esse tipo de acesso, contra 70% dos alunos negros.
“As diferenças raciais nos índices de educação são frequentes quando falamos, por exemplo, da evasão escolar. As/os estudantes negros ainda são a maioria que não concluiu a educação básica se comparar com pessoas brancas. Também são as que têm menos tempo de estudo”, avalia Paula Ferreira, pedagoga do Cendhec e ativista pela Educação do Fundo Malala.
Mais recentemente, o escândalo da existência de um esquema de tráfico de influência e de corrupção no centro do MEC, envolvendo o ex-ministro Milton Ribeiro, que é pastor presbiteriano, e pastores amigos do presidente Jair Bolsonaro, desencadearam trouxe à tona novas feridas e mais uma baixa na pasta. Denúncias contra Ribeiro acusam o ex-ministro de favorecer prefeituras na liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tendo dois pastores como intermediários.
Após o pedido de exoneração do cargo por parte de Milton Ribeiro,quem assumiu a pasta foi o engenheiro de redes de comunicação formado pela Universidade de Brasília (UnB) Victor Godoy. Ele ocupava o cargo de secretário-executivo da pasta durante a gestão de Ribeiro.
Cientista social, integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil e coordenadora de projeto do Centro das Mulheres do Cabo, Cássia Jane acha preocupante que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação sejam usados como moeda de troca por apoio político. “Isso fere os princípios de uma gestão pública, ética e transparente e o próprio pacto federativo que rege o repasse do Fundo que é feito diretamente para Estados e Municípios com base no censo escolar”, pontua. Escute o áudio completo de Cássia, que cobra a responsabilização do Governo Federal pelo desvio de conduta no vídeo logo à cima.
“Não é demais a gente lembrar que o tráfico de influência e a corrupção tem consequências diretas na qualidade da democracia, no grau de confiança da sociedade nas instituições brasileiras e no âmbito da educação, na garantia do direito à Educação”. A análise é de Tânia Dornellas, cientista Política, especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais e assessora de advocacy da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), que emitiu um posicionamento público contra o esquema liderado pelo ex- ministro Milton Ribeiro.
“O tráfico de influência fere os princípios de uma gestão pública, ética e transparente”, Cássia Jane
Relembre as mudanças de ministros do MEC
O primeiro ministro da Educação nomeado por Bolsonaro foi Ricardo Vélez Rodríguez, que foi demitido em abril de 2019, pouco mais de um ano depois de assumir. Vélez havia proposto revisões polêmicas em livros didáticos com mudar a forma como o golpe de 1964 e a ditadura militar eram ensinados. Também pediu que as escolas filmassem as crianças cantando o hino nacional. O que derrubou o ministro, colombiano naturalizado brasileiro, foi uma disputa de poderes dentro do Ministério da Educação, entre as alas militar e ideológica – esta última ligada ao guru bolsonarista Olavo de Carvalho, morto em janeiro deste ano.
Abraham Weintraub foi cotado para substituir Vélez, mas ficou pouco mais de um ano no cargo. Amigo pessoal dos filhos do presidente e exaltado pela militância bolsonarista, Weintraub deixou o MEC após suas declarações contra ministros do STF. Uma das falas que deflagrou a crise ocorreu em uma reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que foi tornada pública por ordem judicial: “‘Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, que acabou incluído no inquérito que o órgão moveu sobre divulgação de notícias falsas e ofensas aos ministros da Corte. Weintraub também foi alvo de outro inquérito por racismo, depois de uma postagem se referindo à população chinesa.
O terceiro ministro, antes de Milton Ribeiro assumir, foi Carlos Decotelli, que ficou apenas cinco dias no cargo. Ele foi nomeado em junho de 2020 e pediu demissão quando vieram à tona denúncias de irregularidades em seu currículo lattes, desde acusações de plágio em sua produção acadêmica até questionamentos aos títulos que ele alegava possuir.