Nossa Voz

Lua Maria não anda só

| 29 de março de 2022
Lua Maria entendeu muito cedo que precisaria lutar contra as forças operantes do racismo e do machismo

Texto: Luana Farias | Edição: Lenne Ferreira | Foto: Gil Santana

“Eu sou Lua Maria: Sou filha de Maria Janielly e Jéssica Lopes”. Tal qual as raízes de uma árvore antiga, fincada em bases firmes, Lua Maria absorve forças de quem, anos antes dela, já caminhava pelo mesmo chão, ensaiava os mesmos passos e lutava nas mesmas batalhas. Inspirada, sobretudo, pela mãe Maria Janielly, Lua entende a potência de se ver, e firmar laços, com mulheres cujas experiências são semelhantes. “Eu sigo por ela, ela abriu o caminho por mim e eu tô seguindo por ela”, reconhece, e não titubeia em afirmar que a mãe é sua maior referência.

Dançarina afro, Lua é envolvida com a cena cultural do seu bairro, o Ibura, Zona Sul do Recife, e com religião de matriz africana desde os cinco anos de idade. A alusão às raízes é perceptível também na firmeza de sua arte, apesar de acompanhada pela leveza e fluidez do seu corpo na dança. A ancestralidade está intensamente presente em sua vida: Candomblecista e juremeira; dafona de Nạ̀nạ̀; agbezeira do Maracatu Leão da Campina; back vocal no Abre Caminho e no Coco Besouro Mangangá”. Esses são alguns dos compromissos vividos pela adolescente. Embora muito nova, a pouca idade nunca foi obstáculo para a inserção de Lua nas lutas que lhes diziam respeito, enquanto jovem preta, periférica e candomblecista.

Ainda aos 11 anos, Lua começou a contribuir com as lutas racial, religiosa e de classe, sendo co-fundadora da Coletiva Periféricas. “Na Coletiva, eu comecei nesse processo, longo e muitas vezes doloroso, mas foi onde passei a estudar e a aprender mais sobre luta social”, conta. Apesar da importância da atuação do projeto dentro de uma comunidade com alto índice de vulnerabilidade social, as integrantes não contam com nenhum apoio financeiro governamental e precisam caminhar com as próprias pernas promovendo ações de incidência política e social para a valorização, visibilidade e apoio aos artistas e candomblecistas no Ibura.

Este ano, o projeto Coletiva Periféricas comemorou oito anos de existência no Quilombo Casa das Pretas, que fica no mesmo bairro. O período de atuação já coleciona importantes conquistas. Um dos projetos desenvolvidos é o “Mapeando a ancestralidade na periferia”. Por meio dele, foi possível mapear terreiros na comunidade do Ibura e contribuir com a escritura das casas que não ainda não possuíam o documento.

Lua Maria também atua no Espaço Cultural das Marias, que é vinculado à Coletiva Periféricas. Com o enfoque em valorizar os artistas locais, o Espaço começou como um bar para visibilizar o trabalho de artistas da periferia que eram convidados para apresentações como forma de contribuir para a sustentabilidade e permanência dele na cena. O avanço da pandemia da Covid-19 e seus efeitos nos mais expostos às desigualdades sociais, contribuiu para o fechamento do local e o Espaço passou a ajudar a comunidade com maior intensidade, em ações sociais.

“Hoje, estamos com um projeto que se chama Cultura de Favela, onde a gente entrevista artistas negros daqui”. O Cultura de Favela é focado em proporcionar a visibilidade a artistas pretos da periferia do Ibura. Com uma série de entrevistas, integrantes do coletivo falam sobre arte, vivência na periferia e oportunidades. As estruturas seguras na qual se fortalece, são um contraste nítido com as inseguranças em sua comunidade. “Estamos nessa luta pelo fim do racismo religioso, que faz parte da nossa realidade. Estamos aqui há bastante tempo, mas os ataques não param, já aconteceu várias coisas com a gente”, pontua Lua.

Reféns do racismo religioso e repressão policial, e até de moradores do próprio bairro, a menina luta por liberdade e segurança. A família – de sangue e de luta -, vivencia também, além da exposição a ataques, o apagamento dentro da comunidade. A adolescente relata tanto a insegurança para as casas de terreiro, quanto o esquecimento. “O Ibura é muito esquecido o tempo todo. É muito difícil a gente ser lembrado, só em novembro e no Carnaval. Então a gente se mantém em coletivo e projetos”.

Apesar da frequente repressão, Lua não se sente sozinha e vê na potência da ancestralidade, de suas mães e dos grupos dos quais está envolvida, a possibilidade de continuar resistindo e possibilitando melhorias em sua comunidade. “Ela vai me ajudando a me manter firme apesar de tudo isso”, reafirma Lua em referência à Janielly, mãe, amiga e ativista que, assim como Marielle Franco, ela tem como inspiração diária.

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