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Lei Maria da Penha: por que vítimas de violência doméstica ainda são desacreditadas?

| 7 de agosto de 2023
Reportagem: Ariel Lins

A plataforma Brasil Paralelo lançou, recentemente, o primeiro episódio da terceira temporada de “Investigação Paralela”, trazendo a visão do agressor sobre o caso de violência doméstica que originou a Lei Maria da Penha, dispositivo que completa, nesta segunda-feira, 17 anos. A empresa, fundada em 2016, faz produções audiovisuais de cunho político, utilizando o viés da extrema-direita. A série, que diz buscar a “verdade”, é baseada em teorias da conspiração, sustentando-se no depoimento do agressor, condenado em 1991 e preso em 2002. Maria da Penha só conseguiu levar seu caso à luz quase 20 anos após o ataque e, ainda assim, vê sua luta posta em cheque diariamente, com tentativas frequentes de deslegitimar uma ferramenta que garante justiça efetiva para vítimas de violência doméstica.

Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de tentativa de feminicídio, em 1983, pelo seu ex-companheiro, Marco Antônio Heredias Viveiro, que hoje reaparece como propaganda de um canal amplamente conhecido por propagar fake news, revisionismo histórico e negacionismo científico. Cobrando R$ 99 ao mês, o streaming Brasil Paralelo difunde para seus quase 300 mil assinantes, séries, filmes e cursos que podem ser enxergados como ataques aos direitos de mulheres e às agendas progressistas, como “Aborto: quem é a verdadeira vítima?”.

Por que as vítimas ainda são desacreditadas?

A produção mexe em uma das leis mais completas voltadas para a proteção de vítimas de violência doméstica, e reacende um debate: por que as vítimas ainda são desacreditadas? Para a advogada do Cendhec, Manuela Soler, uma série de fatores contribuem para que as sobreviventes destes crimes ainda se sintam julgadas, como a violência institucional e a falta de apoio. “Há o medo de não ser amparada e de que o agressor descubra a denúncia e venha reagir de forma mais violenta contra ela ou contra os familiares. Medo de não conseguir comprovar as violências, que nem sempre são físicas e visíveis, como a violência psicológica, por exemplo. E também receio de denunciar e não conseguir prover seu próprio sustento ou de sua família, uma vez que o agressor é o provedor da renda familiar”, explica.

”É importante que a/o advogada/o que esteja acompanhando a vítima no curso do processo, esteja atenta/o aos dispositivos da lei para coibir possíveis humilhações e atos contra a dignidade de vítimas e testemunhas que a revitimiza durante as audiências criminais, sobretudo em processos que tratem de crimes sexuais”, comenta Soler.

Avanços

Manuela aponta atualização na Lei Maria da Penha que pode ajudar a criar um cenário mais acolhedor. “A Comissão de Direitos Humanos aprovou um projeto de lei (PL 628/2022) que prevê técnicas de depoimento que protejam a intimidade e integridade física e psíquica de mulheres vítimas da violência doméstica. Autora da proposta, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) afirma que alteração na Lei Maria da Penha (11.340/2006) vai evitar revitimização em ações cíveis nas quais essas mulheres sejam parte”.

A conquista de direitos voltados às mulheres vêm a passos lentos, mas há vitórias. Na última semana, durante sessão de debate e reabertura dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF), a tese “legítima defesa da honra” foi derrubada por unanimidade. Utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher, a tese “justificava” o comportamento do acusado. O violentador, através deste recurso, podia argumentar que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis, uma vez que vítima, supostamente, ferisse a honra do agressor.

Como denunciar

O combate a violência doméstica começa na proteção dos direitos e preservação da memória. A sobrevivente Maria da Penha Maia Fernandes deve ser lembrada e acreditada, para que possamos, assim, garantir uma sociedade com mais equidade de gênero.

Não se cale, denuncie!

  • Ligue 180: esse é o número da Central de Atendimento à Mulher;
  • Ligue 190: se for um caso de emergência, ligue para a polícia.

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