Nossa Voz

Em busca de mim: o encontro com a arte segundo Maya Amapô

| 13 de julho de 2023

Texto: Ariel Lins

A arte chegou na vida de Maya Amapô aos 5 anos de idade, entre a infância e o “determinismo” que acomete a história de vida de tantos artistas. Há vários exemplos por aí, de que é um tanto difícil fugir desse caminho: Nathê Ferreira e seus grafites, Abros Barros suas obras e investigações poéticas sobre arte-urbana e muitas outras histórias de artistas pernambucanos. Maya Amapô, “rainha do congo” como é chamada, é prova disso. Com apenas 23 anos de idade, residente no bairro da Várzea, mas nascida em Cabo de Santo Agostinho, sua arte atravessou tantos outros lugares e até países.

Na infância vivida entre a comunidade do Coque e em Camaragibe, Maya conta que desde criança sabia que era artista e que queria ser “desenhista” como a define. Vem de uma família que mesmo vivendo em realidades que os atravessam cotidianamente, sempre a apoiou no mergulho imersivo no universo lúdico da arte e da ancestralidade. “Eu pensava: quando eu crescer eu quero ser desenhista, depois aprendi que desenhista você pode ser de qualquer coisa, todo mundo pode desenhar”, conta Maya, sobre seu primeiro contato com a arte.

Foi dessas vivências que sua identidade se construía e se consolidava para que Maya se firmasse de vez e se reconhecesse como artista. “Quando eu pulei de série e comecei a disciplina de artes na escola, e essa era disciplina que desenhava, aí me encontrei e falei: quero ser artista agora, sempre fui muito sonhadora, amo sonhar e materializar” recorda a artista em entrevista por telefone ao Afrontosas. Aliás um diálogo de numerosas prosas e recordações que a artista faz questão de mencionar, a poética do encontro com a arte.

A artista e sua arte

Maya cresceu em meio a uma infinidade de cenários: a música, poesia, livros, revistas de moda, Então, não teve jeito: vai ser artista. Até porque, para ela, a arte era algo que crescia junto ao seu desenvolvimento, que desde então, é o seu cotidiano até hoje. “Muitas coisas vão mudando, fora esse processo de ser mulher negra, a crise de estética que é bastante violenta, desde que terminei um curso de Design de Interiores pela ETE, e foi nessa escola que abriu muito a minha mente, fazíamos muitos projetos culturais de pluralidade religiosa, cultural, cortei meu black no final do ensino médio, até os meus 18 anos, eu não sabia a textura do meu cabelo”, conta.

“Dentro do curso de Design de Interiores as pessoas ficavam impressionadas com o que eu fazia, tinha as maiores notas, foi incrível. Mas quando terminei o ensino médio, fiquei um pouco perdida, e logo após terminar eu voltei a morar no Coque, é uma comunidade que tem muitos projetos culturais, um deles é o NEIMFA, que é um núcleo educacional de atividades e cursos. E eu frequentava desde criança inclusive, com uns 5 anos de idade. E voltar para lá e reencontrar meus amigos de infância, foi um marco na minha vida”, declara.

Vendo tudo acontecer dentro da comunidade e também na arte, Maya explica o encontro com a ancestralidade e como esse ponto é crucial na existência de suas obras. “A ancestralidade é um fator importante nas minhas obras, porque eu comecei a fazer esse exercício do Sankofa, que é retornar às origens e criar estratégias para sobreviver em um futuro possível. Foi a partir dos dezoito anos que fui entender minhas origens, fui me percebendo enquanto sujeito. Depois vim entender que tudo que eu passava, era sobre esse processo de escravização e da continuidade dos povos africanos aqui no Brasil e do apagamento também dos povos indígenas”, explica.

Percursos

Durante o início da pandemia da covid-19, Maya conta sobre reflexões e criações durante o período de quarentena, e nesse percurso dentro de si mesma que resultou na criação do persona (identidade visual do artista). “Comecei a criar meu persona, que é o poder da ancestralidade Afro-Ameríndias, que é essa cabeça, esse orí”. Mobilizada pelas vivências, a artista embarcou na busca do autoconhecimento. “Eu pintava cabeças, mas não sabia o porque pintava, eu comecei a associar as religiões de matrizes africanas e indígenas e sobre esse cuidado com o orí, com a cabeça” conta.

Fruto do fazer artístico e ancestral de Maya

Neste e em outros relatos, a artista consegue descrever a dimensão da sua arte e a influência de autoras como Viola Davis nesse processo, Maya comemora com sobriedade: “Eu morando na favela do Vietnã sozinha, consegui vender arte para fora do país, do estado, e fiquei maravilhosa. Eu to aqui nessa viela, nesse beco e consegui. E lembrei de um livro que me ajudou muito nesse processo, que é  “Em busca de mim”, de Viola Davis”. O livro é uma biografia da autora que faz uma reflexão profunda e uma declaração de amor sobre si mesma.

“Rainha do meu congo, me dá forças para lutar”. É com esse trecho da música Dandara de Nina Oliveira que Maya Amapô, com apelido de rainha do congo, divide sonhos, conversas e vivências regadas à arte. Assim vai sendo o caminho de Maya, uma artista pernambucana que mergulhou dentro de si e foi ao encontro da arte e suas infinitas formas — versões essas conduzidas pelos saberes ancestrais e na descoberta de suas origens. Ao conversar com Maya, percebe-se, evidentemente em suas falas, que ela é —  e nunca negou, pelo contrário: reafirma, —  “sou rainha do meu congo”.

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