Texto e Fotos/Arte: Alcione Ferreira/Cendhec
O entendimento do corpo coletivo na construção humana é possivelmente a base para o pertencimento afetivo em diversas instâncias. Esse movimento é por vezes complexo e está ligado à teia de sentidos tratada no livro “O circuito dos Afetos – Corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo” do filósofo Vladimir Safatle. Para o pensador é o afeto que trará a extensão política nas relações sociais que irão formar vínculos em seus territórios na busca de soluções para diversas urgências, sejam elas simples e imediatas ou complexas e perenes. A adolescente pernambucana Andreza Gabrielly da Silva, 17 anos, vem vivendo esse processo através de sua mobilização social e do ativismo no campo estudantil e comunitário.
Em sua trajetória com os movimentos sociais Andreza vai encontrar na atuação comunitária um corpo político forte. É dentro do território onde vive, Frei Damião, comunidade com cerca de 350 famílias na periferia de Abreu e Lima, cidade que faz fronteira com Igarassu, ambos municípios da RMR do Recife, que a menina aprende e vivencia as potências afetivas das questões comunitárias. Integra o coletivo ‘Mulheres N’ativa’, uma rede de cuidados formada por mulheres que lutam pela melhoria da comunidade em especial da qualidade de vida e empoderamento feminino na região. A experiência de Andreza com a comunidade vai fazer um percurso que começa dentro de casa, a partir das mulheres de sua família em diferentes gerações. Sua madrinha, Laurenice Cavalcante, 50 anos, já vinha de lutas territoriais no Engenho Prado, ocupação rural das mais importantes protagonizada por mulheres e homens da zona da mata pernambucana no início dos anos 2000; teve formação como técnica de enfermagem pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) e muito aprendeu sobre mobilização social. Ela irá inspirar sua sobrinha de coração ,Alice Danyelle, 34, mãe de Andreza , que irá compor e se mobilizar juntamente com Laurenice e outras companheiras para fortalecer o coletivo Mulheres N’Ativa. Andreza vai encontrar no movimento comunitário um caminho onde duas referências femininas, a mãe, Alice, e a madrinha, Laurenice, serão fundamentais para os desdobramentos dessa descoberta e sua entrada definitiva nos movimentos sociais.
“Minha mãe e minha madrinha estão muito presentes na minha vida e na vida comunitária. Organizam projetos e isso me inspira a estar junto com elas também”. Andreza faz questão de acrescentar uma informação importante sobre a comunidade em que vive e atua: “a maioria das mulheres aqui são mulheres negras, então é fundamental uma dinâmica que abrace a todas, que fortaleça a todas.” Essa dinâmica a qual se refere está dentro das ações de cuidados e empoderamento feminino, que vão desde distribuição de kits de higiene e alimentos, potencializados com a chegada da pandemia, até palestras e oficinas com foco em saúde e prevenção.
“Eu sempre pensava que onde eu poderia estar inserida, representada é onde de fato eu queria estar. Esse sempre foi um desejo meu, desde criança”
Conta a menina que em 2019, então com 15 anos, teria a primeira experiência com o movimento estudantil quando aceitou o convite de um primo para ir conhecer a Bienal da UNE na UFBA em Salvador, na Bahia. Ali, nos primeiros contatos com o ativismo organizado, Andreza incorporou à sua vida o desejo de atuar junto às pautas estudantis : ”Ver a força de vontade da juventude mexeu muito comigo e de uma forma muito positiva. Entender o que é a construção da luta pelos direitos, que são nossos, já existem , mas precisa de mobilização para garantí-los. Tudo isso me inspirou para que eu esteja onde estou: na força de vontade coletiva”.
Hoje Andreza está como coordenadora secundarista da região metropolitana norte, em Pernambuco pelo coletivo ‘Para Todxs’, um movimento nacional formado por jovens secundaristas com foco político nas necessidades da (os) estudantes para a construção de um ensino público igualitário e de qualidade. Sua inserção no movimento estudantil vai tomar contornos mais desafiadores com a chegada da pandemia Covid-19 em 2020, pouco menos de um ano após a Bienal da UNE de Salvador.
Movimento político no enfrentamento à PANDEMIA
Andreza pontua preocupações geradas pelos efeitos da pandemia, entre elas a evasão escolar, principalmente por atingir mais as meninas. A adolescente aponta possíveis planos que devem ser incluídos nos projetos das escolas públicas para mudar esse quadro: “a escola precisa motivar estudantes como sujeitos desse espaço. Digo isso porque percebo muitas alunas e alunos desmotivados e principalmente agora com a realidade da pandemia, onde estamos tendo aulas remotas, fica ainda mais difícil manter alunas e alunos instigados. Precisa ter uma chama para que a juventude esteja presente com suas ideias e contribuições, fazendo parte da escola como um todo”.
Outra questão levantada por Andreza é a necessidade de apoio psicológico para jovens estudantes que sofrem preconceitos.” Isso tem que estar nos projetos das escolas, propor e fortalecer uma rede de apoio psicológico para as crianças e adolescentes que sofrem por estarem vulneráveis devido as inúmeras situações de racismo, preconceito de gênero, homofobia , violência doméstica e tantos outros”.
Mesmo de forma remota, Andreza tem dado continuidade ao caminho de mobilizar e influenciar mais jovens e pessoas da comunidade, em especial as meninas de seu território entre Igarassu e a comunidade Frei Damião. Atualmente vem fazendo um curso pelo Instituto Odara, na Bahia, e mobilizou boa parte das pernambucanas para se inscreverem no ‘ Ayomide Odara’, um projeto apoiado pelo Fundo Malala voltado para meninas e adolescentes negras no enfrentamento a Covid-19 na Bahia e em Pernambuco. Quanto mais atua e mobiliza jovens mais sentido e força ganha seu ativismo, como o movimento de uma ciranda: circular, contínuo, acolhedor e unificado num abraço de muitas mãos.