Após hiato de seis anos em que o Brasil assistiu, tanto quanto sofreu, duros golpes no campo da educação, como a troca de seis ministros da pasta, só para citar um dos descalabros, num cenário repleto de desafios sociais e políticos, importante aqui negritar: ainda presentes, mesmo com o retorno de um governo pautado na legalidade e nos princípios básicos que regem as democracias, a Conferência Nacional de Educação 2024 (Conae), cujo tema deste ano foi “Política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável” trouxe durante os dias 28, 29 e 30 de janeiro pontos de convergência para a discussão e deliberação de estratégias que poderão moldar os rumos dos próximos capítulos educacionais do Brasil divididos em dez anos (2024 a 2034) com a construção do novo Plano Nacional de Educação – PNE.
Organizado pelo Fórum Nacional de Educação (FNE) e Ministério da Educação (MEC), o evento, que aconteceu na Universidade de Brasília (UNB) no Distrito Federal , reuniu uma diversidade de representações: cerca de 2,5 mil pessoas, incluindo educadoras/es, gestoras/es, estudantes, familiares e sociedade civil, com objetivo de debater e definir novas diretrizes para o próximo PNE .
Foram 8.651 emendas para o Documento Base do PNE 2024/2034 que trouxe para este ano sete eixos . Entre os assuntos debatidos nos 34 colóquios estiveram presentes temas como “Educação antirracista”, “Escola de jovens e adultos (EJA)”, “Saúde e educação”, “Sistema Nacional de Educação” e “Alfabetização”.
Principais Propostas Trazidas pela Conae 2024
1. Aumento do Investimento em Educação: incremento progressivo no investimento em educação, com 10% do PIB destinado à educação nos próximos anos;
2. Anulação do Novo Ensino Médio e implementação de novo formato atualmente em discussão no Congresso Nacional através dos PLs 2601/2023 e 5230/2023)
3. Inovação Tecnológica e Educação a Distância: integração responsável de tecnologias educacionais e do ensino a distância
4. Inclusão e Diversidade objetivando a promoção de políticas efetivas de inclusão, com ênfase na diversidade étnica, cultural, de gênero e de pessoas com deficiência (PCD).
5. Fortalecimento da Formação de Professores com medidas para aprimorar a formação inicial e continuada de docentes
6. Instrução em período integral (com duração mínima de 7 horas) destinada a pelo menos metade das/os estudantes brasileiras/os
7. Anulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) : implementação de um novo plano de estudos a ser desenvolvido para o novo PNE.
8. Adoção do Custo Aluno Qualidade (CAQ): estabelecimento de um investimento mínimo com base em critérios de qualidade educacional, independentemente do orçamento disponível.
As quase 180 páginas do Documento de Referência da Conae 2024 podem ser acessadas aqui
Cenas dos Próximos Capítulos
Com as propostas aprovadas na Conae 2024, o encaminhamento agora é a disputa no Congresso para a efetivação do que foi firmado na conferência. Em discurso durante o último dia do encontro, no Pavilhão Athos Bulcão, na UNB, o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva alertou: “É importante lembrar que nós somos minoria no Congresso Nacional. A gente não pode perder de vista”. E na sequência destacou: “Uma coisa é o discurso que eu faço aqui, outra coisa é quando eu olho no Congresso e não tem 120 deputados.” Lula também relembrou o período Temer/Bolsonaro e as consequências para a educação brasileira: “Nós tínhamos um cidadão que não gostava da escola pública. Ele queria que as pessoas tivessem aula em casa. Depois ele queria transformar o país em escola cívico-militar. Conseguimos repor muitas políticas públicas que tinham sido desativadas, voltamos a consertar a educação do nosso país.” E completou: “Depois de seis anos de negacionismo, cá estamos nós, exalando democracia conquistada pelo povo brasileiro”. Temas como Homeschooling e Escola Sem Partido, que haviam ganhado corpo durante os últimos seis anos, foram rejeitados pela maioria durante o evento.
E é fato: no país que elegeu como representante máximo do poder executivo um homem com ideias fascistas e antidemocráticas em 2018, toda cautela é bem vinda. O congresso está abarrotado de representantes da ala ultraconservadora, por isso a fala de Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE) não é a toa quando disse sobre a democracia “não poder mais ser interrompida por golpes que acontecem no nosso país a cada período”.
“Qualquer dinheiro para a educação tem que ter a rubrica de investimento, e não de gasto”
Presidente Luís Inácio Lula da Silva durante discurso de encerramento da Conae 2024
Oposição com os Dentes à Mostra
Vale salientar que ao final dos três dias da Conae 2024 o deputado federal Gustavo Gayer (PL), que preside a “Frente Parlamentar Mista em Defesa da Educação sem Doutrinação Ideológica (FPDEDI)”, cuja composição tem figuras como a deputada federal Clarissa Tércio, a mesma que invadiu uma escola pública na cidade de Camaragibe em PE para ameaçar equipe escolar por exibirem uma faixa de retorno às aulas cujo texto trazia linguagem neutra, onde se lia a frase “Bem Vindes”, lançou uma nota de repúdio ao evento, acusando a conferência de “evento político partidário da esquerda” e de “Ódio à família tradicional, à fé cristã e aos valores milenares que formaram nossa sociedade judaicocristã, ao desenvolvimento industrial e ao agronegócio“. A nota chegou a ser publicada em sites e jornais que compõem a mídia tradicional hegemônica em nível nacional, alcançando a sociedade em seus diversos níveis. Entidades ligadas ao Direito à Educação Pública repeliram os ataques sem fundamento da FPDEDI. Importante lembrar que a Conae 2024 aconteceu dentro dos preceitos democráticos, com recorde de diversidade de pautas e público participante. O evento foi aberto a todas as vozes, inclusive as mais dissonantes.
Em Paralelo, o Jornal Folha de São Paulo publicou um editorial no dia 02 de fevereiro criticando a proposta da Conae 2024 que propõe aumento do investimento em Educação com a destinação de 10% do PIB no próximo decênio. Segundo o texto do jornal, intitulado “Educação a Sério”, a proposta é “farsesca” e não especificaria as fontes de recurso para tal investimento. A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação – Fineduca, juntamente com mais 30 entidades, emitiu uma nota pública em que repudia as acusações da FSP e explica que o jornal fez uma leitura desatenta do documento da Conae, uma vez que está lá explicitado de onde sairiam tais recursos, além dos impostos. No texto da nota a Fineduca ainda disponibiliza o documento intitulado “O Financiamento do PNE (2024-2034): é chegada a hora de priorizar a Educação no processo de desenvolvimento social e econômico do Brasil”, onde traz os detalhes de fontes e recursos disponíveis para a implantação da proposta apresentada na conferência deste ano. O Presidente Lula reforçou, durante seu discurso ao final da Conae a importância do empenho de políticas públicas na educação brasileira deixando evidente que “Qualquer dinheiro para a educação tem que ter a rubrica de investimento, e não de gasto”.