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Com protagonismo feminino, coletivos apoiam famílias afetadas pelas chuvas

| 7 de junho de 2022
Ativistas do Fórum de Mulheres de Pernambuco atuam em diversas frentes para apoiar famílias que perderam tudo

Texto: Lenne Ferreira | Imagens: Coletivos

Nos últimos dias, a população de Pernambuco teve sua rotina alterada por uma tragédia que já vitimou 129 pessoas em todo o Estado. Um fenômeno meteorológico que causou chuvas incessantes provocou deslizamento de barreiras, cheias e inúmeros transtornos que expuseram a vulnerabilidade social em que vivem famílias de áreas de encostas e ribeirinhas. Para ajudar as vítimas que sobreviveram, coletivos feministas têm cumprido um papel que deveria ser do Estado e criam estratégias que garantam o acolhimento de crianças, jovens, adultos e idosos que precisam de apoio para lidar com as perdas pessoais e os prejuízos materiais. 

No Ibura, Zona Sul do Recife, a mobilização começou assim que a primeira barreira caiu, no sábado (4), vitimando fatalmente moradores. Antes mesmo das equipes da Defesa Civil ou Corpo de Bombeiro chegarem, lideranças jovens se uniram à população para prestar socorro e assistência emergencial. Elas também registraram um cenário de caos e desespero em vídeos que denunciaram a demora do poder público no atendimento das vítimas e que circularam nas redes sociais chocando o estado e o país. Ao todo, até agora, já foram contabilizados 129 mortos. O número é maior do que o da última grande cheia que atingiu a capital em 1975, quando 109 pessoas morreram.

Desde os primeiros deslizamentos, grupos voluntários formados, majoritariamente, por mulheres iniciaram um trabalho que ainda não cessou. “A comunidade está se organizando. É uma mobilização local, com as mulheres de frente. Mulheres da igreja, da comunidade, que se uniram para montar uma cozinha solidária para servir de base também para armazenar doações de alimentos para preparo”, explica Tássia Seabra, comunicadora popular que integra o coletivo Ibura Mais Cultura

Segundo ela, uma cozinha montada na Lagoa Encantada conseguiu produzir, diariamente, cerca de 1000 quentinhas entre café da manhã, almoço. A comida foi destinada às comunidades de Vila do Betel, Portelinha, Muribequinha e Vila Dois Carneiros. O coletivo tem construído um mapeamento para identificar as principais necessidades da população. Foi graças à essa união de forças que ações de assistência e acolhimento foram possíveis.

Desabamentos deixaram rastro de morte no Ibura, onde o Coletivo Ibura Mais Cultura tenta apoiar famílias

No Totó, Zona Oeste do Recife, o poder de mobilização da Rede Tumulto, que tem entre as lideranças as ativistas Yane Mendes e Flora Rodrigues, tem sido fundamental para o acolhimento de famílias que perderam toda mobília da casa. “O diálogo entre as comunidades é fundamental porque a troca de informação ajuda a mapear as demandas e possibilidade de ajuda. Uma fortalecendo a outra a gente consegue reduzir esses danos”, explica Flora. A partir do mapeamento das principais necessidades das famílias, a rede busca apoio para supri-las. Atualmente, moradores das comunidades de Coqueiral, Totó, Jardim São Paulo, Ibura, Arruda e Favela do Detran estão dentro do público alvo da ação. 

“São comunidades onde vivem os nossos articuladores, que passam as demandas e a gente faz esse processo de mobilização das nossas redes e disseminação de informação para que mais pessoas possam chegar junto e ajudar a fortalecer essas famílias”. Flora explica que as demandas mais urgentes são material de higiene pessoal, colchão, lençóis de cama. “Muitas famílias estão dormindo no chão em um momento de surto de gripe em Pernambuco e isso coloca as pessoas em maior vulnerabilidade”. A Rede Tumulto lançou uma campanha nas redes sociais para conseguir doação de colchões para a população. 

No Alto do Pereirinha, ativistas do Boca no Trombone distribuíram sopa para a população local

A situação de vulnerabilidade da comunidade do Barreirão, no Alto do Pereirinha, em Água Fria, fez com que os integrantes do Coletivo Boca no Trombone  também pensassem ações para ajudar as/os moradores do local. O coletivo denuncia a negligência do poder público. “Se a gente não tivesse ido lá ninguém ver o que aconteceu ninguém ia saber e isso é uma sensação horrível, angustiante, não dá nem pra explicar”, confessa Maria Helena, uma das lideranças do movimento. “A situação é crítica. Sete casas deslizaram e há outras com risco iminente de desabar.  Temos alguns bebês desabrigados. A comunidade inteira tá numa situação muito carente”.

A insegurança alimentar é a maior preocupação do coletivo, que organizou um sopão para distribuir na comunidade. Diariamente, um grupo de mulheres, mães, jovens, preparam e servem a mistura de legumes e carne para a população. Apesar de todas as demandas profissionais, elas tentam dar conta de um trabalho que deveria ser do Estado. “Estamos tentando muito doação de comida pronta, cestas básicas, alimentos não perecíveis e material de higiene pessoal”, ressalta Maria, que é professora e tem um filho pequeno, mas tem tentado ajudar como pode. 

Ativismo político

Além de promover ações assistencialistas, os coletivos também realizam uma importante incidência política nas comunidades onde atuam. Pedagoga de formação, Lex Ane Cavalcanti é uma das integrantes do Coletivo Mariú, criado em 2018 em Igarassu. A cidade, localizada na região Norte de Pernambuco, enfrenta problemas históricos com deslizamentos e alagamentos. Famílias de comunidades como Margareth Tati, Cortegada e Cuieiras foram fortemente atingidas e vivenciam a insegurança alimentar. 

“São territórios de mangues e vargens e que sofrem com a especulação imobiliária que aterram biomas para construção de imóveis e condomínios. Com isso, a água fica sem ter para onde escoar. Falta um projeto de urbanização estratégico. Quando os técnicos fazem intervenções nos bairros eles não consideram a realidade local, não dão atenção às questões ambientais e não tem sensibilidade de dialogar com a comunidade”, avalia Lex, que diz que a principal demanda do momento é alimentação e colchões para as pessoas não dormirem no chão. 

Mulheres do Coletivo Mariú, que atua em Igarassu, busca apoiar áreas descentralizadas

De acordo com Lex, o coletivo Mariú tem priorizado comunidades menos centrais, onde quase não chega ajuda nem do poder público nem da sociedade civil. Um dos recursos utilizados pelo grupo para chamar mais atenção é a comunicação popular. Por meio de vídeos que são publicados nas redes sociais do coletivo, as ativistas conseguem mobilizar mais atenção e escancarar problemas históricos. A campanha Mariú Solidário, que foi criada durante a pandemia, tem recebido doações. Mas o Coletivo também se preocupa em levar informação para as pessoas e está preparando um material impresso para distribuir junto com as doações para contextualizar os problemas da região e mostrar que escolhas políticas podem melhorar a vida das pessoas e evitar os transtornos que ocorrem anualmente.

“Precisamos dizer para o povo que não é culpa da chuva. É culpa do sistema e do Governo. O aquecimento global é uma realidade e a tendência é piorar, por isso as pessoas precisam ser educadas, a população precisa se organizar e começar a cobrar”, pontua Lex.   

No Recife, a atuação do Fórum das Mulheres de Pernambuco, também não se limitou a ajudar as pessoas materialmente. O grupo de ativistas mulheres realizou uma grande força tarefa para ajudar as famílias atingidas pelas chuvas com cestas básicas, colchões, distribuição de kits de higiene pessoal para crianças e idosos, roupas e material de limpeza, além de vale gás. “A gente se mobilizou rapidamente para lançar uma vaquinha virtual através do PIX do Fórum, que foi amplamente divulgado. Conseguimos incidir nas redes sociais. Fomos atrás da possibilidade de financiadores para apoios diretos e emergenciais”, comenta Elisa Aníbal, integrante do Fórum. 

O grupo também dialoga com lideranças de regiões diversas para ajudar na assistência das famílias. Locais como Lagoa Encantada, Monte Verde, Totó, Sancho, Cavaleiro, Alto da Caixa D ‘Água foram beneficiados com doações. A disseminação de informação é uma outra frente adotada pelo Fórum, que, por meio da Rádio Zap, tem gerado notícias sobre cadastramento de auxílio moradia, abrigamento e como fazer denúncias. 

Um ato de rua, realizado em parceria com a Frente Ampla pela Renda Básica, foi até o Palácio do Governador cobrar soluções efetivas. “Foi um ato de denúncia porque nós não queríamos dialogar com o Governo. A gente acha que os diálogos estão sendo construídos há muito tempo, mas eles não andam. Nosso ato foi contra a omissão dos governos estadual e municipal”, explica Elisa. Além de faixas, as ativistas percorreram ruas do centro do Recife gritando palavras de ordem: “Vocês nos deram o caos. Nós devolvemos a lama”. 

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