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Ativismo e representatividade: conheça Myrella Santana

| 15 de março de 2022
Myrella se inspira na trajetória política e social de Marielle Franco, ativista morta há 4 anos

Texto: Maria Clara Monteiro | Edição: Lenne Ferreira |Imagens: Arquivo pessoal

Por coincidência ou não, além dos nomes semelhantes, Myrella Santana, estudante de Ciência Política na UFPE, nasceu no mesmo dia e mês de Marielle Franco: 27 de julho. Assim como a ativista que ela tem como referência, desde o início da adolescência, Myrella se engajou nos ideais de luta e justiça sociais. “Apesar de eu ser jovem, sou uma mulher negra, periférica e LGBT. Então, ela me atravessa enquanto corpo político. Eu me vejo na história, na vida e na resistência de Marielle”, comenta ela, que integra a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Articulação Negra de Pernambuco e é diretora operativa da Rede Internacional de Jovens LGBTQIA+.

Aos 14 anos, Myrella já estava envolvida em atividades de cunho social na Comunidade da Baixa, no bairro de Jardim São Paulo, Zona Oeste do Recife, em que mora desde que era criança. Na época, ela foi eleita representante de classe da Escola Estadual Professor Ariano Vilar Suassuna. No ensino médio, ingressou no Grêmio Estudantil, desta vez na escola EREM Professor Trajano de Mendonça. A partir dessas experiências, viu o seu protagonismo juvenil crescer. Seu interesse pelas causas sociais só cresceu e, aos 15 anos, participou da construção do projeto da primeira Gelateca do bairro, que consiste em uma geladeira que oferta livros com forma de incentivar a leitura. 

“Isso me possibilitou ter um contato mais direto com meu bairro. Mensalmente, a gente faz atividades literárias. A Gelateca tem a proposta de incentivo à leitura, mas para além disso, tínhamos o foco de incentivar a cidadania, o direito à cidade e a produção cultural independente”, explica. “Tem também feira de alimentação e de artesanato, que é uma forma de incentivar o comércio local. E tínhamos um momento de microfone aberto, no qual os artistas da comunidade poderiam recitar poesia, cantar e fazer apresentações”, comenta a estudante.

Na época, Myrella ainda estava na escola e destaca o papel político que os educadores tiveram em sua formação. “Possibilitou essa construção de cidadão e da própria cidadania”, salienta. Mesmo com todas as dificuldades de estudar em uma escola pública de uma região periférica, Myrella driblou as estatísticas. No vestibular, em 2019, passou em quatro cursos e universidades diferentes: Psicologia, na Estácio, com bolsa 100%; Administração, na Unicap, também com bolsa 100%; Direito, na UPE e Ciência Política, na UFPE. 

“Desde sempre eu sentia necessidade de falar e de me envolver com política. A vivência dentro da minha comunidade e na minha escola teve influência na hora da escolha. Na minha cabeça, todas as pessoas deveriam saber o básico de política. Então, eu quis entender por que a informação não chega aqui”, comenta.

Myrella segue construindo seu ativismo e lutando pelas causas em que acredita

Tudo o que ela faz pra ser

Inquieta, Myrella já fez tudo o que lhe foi oportunizado: estudou, dançou, falou, atuou, escreveu, denunciou, esbravejou, floresceu. Mas não deseja que tudo fique no passado. O presente também é de conquistas, afinal, luto é verbo para ela. A atuação política de Marielle Franco implantou nela o desejo de também seguir por um caminho parecido. “A sua morte me abalou, principalmente, por eu ser militante do movimento negro e me reconhecer. Mas, também, me vejo no medo da violência política contra os nossos corpos e em tudo o que essa responsabilidade da representatividade recai em nós”, desabafa. Mesmo consciente dos desafios, nas eleições municipais de 2020, com apenas 18 anos, Myrella foi candidata a vereadora pela cidade do Recife. Conquistou 569 votos e foi o passo embrionário para o futuro.

Nós, mulheres negras, precisamos estar, cada vez mais, conquistando esses espaços de poder que não é feito por nós e nem para nós, mas que tem impacto direto nas nossas vidas. Isso me gerou uma inquietação e uma necessidade de reivindicação, de reintegração de posse”, conta. 

Projeto Gelateca acontece no bairro de Jardim São Paulo

Além e aqui

Encarando o risco e expandindo o sentir, Myrella faz da vida o seu teatro pessoal. “Meu bairro não tem nenhum mecanismo cultural. A gente não tem biblioteca, teatro. Nenhuma ferramenta cultural. Para ter acesso a essas atividades, a gente tinha que se deslocar até o centro da cidade. Com o passar do tempo, isso começou a me incomodar. E com esses projetos, olhei para a minha comunidade, para periferia onde moro, de modo diferente. Passei a entender a potência que esse espaço tem. Atualmente, a Comunidade da Baixa é parte de quem eu sou. É de onde eu parto”, reconhece.

O papel social da arte reitera a cidadania. É nisso que Myrella acredita e tenta passar para os demais. “É muito comum a gente ouvir que a arte salva. Nós, enquanto pessoas da comunidade, e que entendemos a importância da arte, tentamos fomentar alguns projetos para que haja oportunidades. Mesmo assim, não é suficiente. A falta de responsabilidade do Estado é grande. A arte é uma ferramenta política. É a minha forma de ocupação de alguns espaços, de expressar o que sinto e penso, de me comunicar com o mundo. Foi através das artes que me reconheci como uma mulher negra e a importância de eu me dizer negra”, declara.

No último ano do curso, Myrella expõe que pretende seguir na área. Em 2023, espera estar no curso de Direito, como forma de visualizar mais espaços no lugar em que já atua. Para além disso, ela conta o que aspira para o futuro geracional. Amanhã… será que vemos essas mudanças? Esperamos que sim, Myrella. Esperamos que sim.

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