Nossa Voz
Credito:Alcione Ferreira

“Acreditamos que a juventude pode transformar o lugar onde mora, o Brasil… o mundo”

| 23 de março de 2023
A cidade de Barreiros devastada pelas chuvas de 2010 em Pernambuco. Foto:Alcione Ferreira

Reportagem: Ariel Lins

As temáticas ligadas às mudanças climáticas e ao  racismo ambiental permeiam os aspectos de raça e gênero. Em uma perspectiva interseccional, esse recorte se liga diretamente à vida de mulheres negras e chefes de família que residem em zonas territoriais sujeitas a desastres ambientais. Segundo um estudo realizado pelo Instituto Polis intitulado: “Racismo Ambiental e Justiça Socioambiental nas Cidades”, lançado em julho de 2022,   três capitais brasileiras: Belém, Recife e São Paulo registraram um alto índice de mulheres pretas, periféricas e responsáveis pelo sustento de seu núcleo familiar que vivem sob essa constante ameaça. 

O estudo apontou que em Recife  22,1% das residências com risco de inundação são chefiadas por mulheres,  enquanto que 27% desse perfil concentra-se em áreas com perigo de deslizamento; a renda média dessa parcela da população é de até 1 salário mínimo. Esses dados revelam como a lógica econômica capitalista se dá em zonas periféricas: desenvolve-se sacrificando vidas, especialmente corpos negros, de mulheres e pessoas LGBTQIA+. Assim, diante das dores, o Estado anuncia mortes, ignora suas responsabilidades no que diz respeito aos efeitos das mudanças climáticas e se omite diante de tragédias anunciadas.  Importante ressaltar que o inverno de 2022 registrou o maior número de mortes da história da capital pernambucana em decorrência das fortes chuvas: 133 mortes diretas e notificadas por deslizamentos e inundações e mais de 9 mil desabrigados e 120 mil desalojados. Pernambuco já havia atravessado outras enchentes marcantes nas décadas de 60, 70 e no final da primeira década deste século, no entanto, os óbitos e destruições do passado não serviram de exemplo para que o poder público mudasse esse vergonhoso retrato.

Ventos para promover a transformação

Miriam Lima (centro): De aluna à facilitadora das oficinas sobre Direito à Cidade

Quando o vento se desloca e provoca o movimento dos barcos, a migração das aves ou mesmo facilita o transporte de sementes pelo ar, está necessariamente impulsionando a natural dinâmica da vida. Essa capacidade de locomover-se em prol da mudança também pode ser entendida, aqui fazendo-se uma alegoria, como movimento humano em busca de transformação social. Assim, o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – Cendhec, ao lado de estudantes da rede pública de ensino,  vem realizando oficinas pelo programa Direito à Cidade em escolas públicas do Recife entre os dias 14, 15 e 29 de março. As unidades escolares participantes são: Escola Othon Paraíso (Mustardinha), Rotary (Nova Descoberta) e Pintor Lauro Vilaça (Torrões). Os encontros abordam as temáticas de mudanças climáticas e racismo ambiental fazendo um recorte de gênero no que se refere ao direito à cidade. 

As Assistentes Sociais do Cendhec, Cristinalva Barros e Lorena Melo, realizaram a atividade com objetivo de instigar a coletividade e despertar um olhar crítico sobre as violações de direitos das quais a população é vítima. A partir das dinâmicas foi notável a evolução crítica de jovens meninas que discorreram sobre sua relação e os atravessamentos a partir do lugar onde vivem.  As oficinas fazem parte da extensão do curso de formação com juventudes, que teve inicio em 2018 com jovens moradoras/es de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS. Este ano, a metodologia do projeto tem proporcionado a jovens que participaram nos anos anteriores a experiência de ministrar as oficinas, compartilhando os conteúdos para outras/os estudantes da rede pública de ensino dentro da perspectiva do direito à cidade.

“O objetivo principal é que essa juventude possa mobilizar outras juventudes para essa temática tão central, tão atual e tão presente, porém  muitas vezes invisibilizada. A gente espera que principalmente as meninas e mulheres, tanto as que estão facilitando quanto as que vão estar participando neste momento também possam se mobilizar muito mais, até porque nós mulheres acabamos sendo as principais afetadas por toda essa negação de direito histórico”, comenta Lorena Melo.

Participante das oficinas em anos anteriores e hoje facilitadora das atividades, a técnica de enfermagem Mirian Lima, 23, moradora de Nova Descoberta, comenta como a experiência de repassar o conteúdo para jovens, sobretudo meninas, ajuda no entendimento sobre essas temáticas que permeiam comunidades periféricas. “Nessa oficina a gente viu e sentiu que levamos para essas pessoas a informação que para muitas delas era desconhecida, muitas não sabiam nem o que era mudança climática, nem racismo ambiental. Então, essa iniciativa é de extrema importância para trazer esse conhecimento para a juventude, que é o futuro. Saímos de lá satisfeitas porque a gente notou o interesse delas/es. E isso fez diferença na absorção do conteúdo para aquelas jovens e adolescentes ali”, afirmou Miriam, referindo-se à escola Othon Paraíso, no bairro Mustardinha, zona norte do Recife.  A estudante relembra como essas narrativas contribuem para a consciência política da juventude.

“Foi extremamente importante abordar esse assunto. Acreditamos que conseguimos atingir nosso objetivo:  plantar a semente que é a informação e com ela a juventude pode transformar o lugar onde mora. Elas e eles podem transformar o Brasil, podem transformar o mundo”. 

Miriam Lima, 23 anos, moradora de Nova Descoberta, Zona Norte do Recife

Neste cenário, essas narrativas proporcionam um entendimento sobre como a questão de gênero e raça são interligados. “Nós vivemos numa cidade desigual onde a periferia é afetada fortemente pelas chuvas e pelas mudanças climáticas, por falta de políticas públicas nessas regiões, territórios onde o governo não chega, onde não tem investimento do Estado, cuja população é a mais atingida e inclusive acaba perdendo vidas. É importante que essas meninas estejam trazendo essa perspectiva na facilitação dessas oficinas porque as mulheres são as que mais sofrem com a questão da falta de moradia digna e acabam ocupando essas áreas de risco onde elas criam a sua família” pontua Cristinalva Lemos.

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