Uma pesquisa realizada com mais de 300 trabalhadoras da imprensa de 15 países da América Latina e Caribe escancarou como as desigualdades de gênero se revelam nos ambientes de trabalho ligados à comunicação. Pelo menos 66% das trabalhadoras da comunicação tem que procurar exercer outras alternativas distintas de serviços para complementar a renda. Atrelado a esse dado mais da metade afirma que seus colegas do gênero masculino recebem proventos acima dos seus para desempenhar as mesmas funções.
O estudo intitulado Situação das trabalhadoras da mídia na América Latina e Caribe foi realizado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) com apoio da Union to Union e contou com a participação de países como Brasil, Argentina, Perú, Colombia, Costa Rica, Equador, Paraguai, Haiti, Venezuela e outros. Pelo menos 40% das entrevistadas são de nacionalidade brasileira, o que configura maioria do grupo que participou da consulta.
As desigualdades atreladas ao gênero trouxeram um alerta: as mulheres jornalistas estão exaustas por assumirem diversas funções e isso se revela nas responsabilidades múltiplas que exercem. Pelo menos 60% delas afirma ser chefe de família e este dado guarda relação direta com o compromisso assumido por elas em dar conta da sobrevivência socioeconômica de suas famílias, além da sobrecarga com os trabalhos domésticos e de cuidados.
Violência de gênero
As jornalistas entrevistadas revelaram que já sofreram violência de gênero em seus locais de trabalho. Pelo menos 59% já foi vítima de algum tipo de violação por parte de seus pares masculinos independente dos cargos que ocupam, no caso específico do Brasil esse dado sobe para 63%, e na mesma proporção de mulheres consultadas pela pesquisa indicaram não haver mecanismos internos para acolher, aferir e resolver internamente essas questões. Como não há um pressuposto de responsabilização para possíveis infrações nos locais de trabalho onde acontecem os episódios de violência de gênero provocados por profissionais homens a tendência é que esse tipo de erro se torne um hábito naturalizado nas empresas de mídia.
Vale ressaltar que a violência de gênero às comunicadoras em seus ambientes de trabalho tem um viés ligado à faixa etária. Enquanto que no caso das entrevistadas com idades entre 18-35 anos a incidência de violências de gênero é apontada por 53%, para as trabalhadoras com idade entre 36-60 esse número cresce para 58% , chegando a 67% no caso das que estão acima de 61 anos. O que demonstra o quanto o mercado de trabalho no jornalismo na América Latina e Caribe tem se mostrado ao mesmo tempo sexista e etarista para com as mulheres.
Esse tipo específico de violência, ligada ao gênero das respondentes da pesquisa, não se encerra nas salas e redações de trabalho, pelo contrário, se alargam através de outros ambientes, mecanismos e atores. Os ataques às mulheres comunicadoras estão espalhados na internet através das redes sociais e/ou em ambientes comuns/externos/públicos onde as profissionais exercem seus ofícios. Pelo menos 38% das comunicadoras trouxeram relatos sobre agressões com viés de gênero sofridas de forma on line. Entre os ataques virtuais, importante ressaltar, em muitos casos o autor se esconde em perfis falsos e utiliza mecanismos como a deep web (ambiente da internet que não é facilmente detectável).
Indicações para novos caminhos
A pesquisa da FIJ propõe, a partir da conclusão do estudo, que o primeiro passo para erradicar as desigualdades de gênero nos ambientes de mídia é reconhecer que essas violações são sim praticadas e estão enraizadas nestes ambientes de trabalho como um reflexo direto da sociedade patriarcal em que ainda se vive e onde se alimenta a misoginia e o sexismo. E que esse tipo de violência depõe contra a democracia, a segurança e liberdade de expressão destas profissionais.
A ideia da pesquisa é servir de insumo para pensar coletivamente, com a colaboração decisiva dos sindicatos e associações de toda América Latina e Caribe, soluções que protejam as mulheres de ataques sexistas, sejam eles de ordem virtual e/ou presencial, psicológica, moral ou física, assim como responsabilizar devidamente seus autores. Propondo marcos legais que possam mudar a realidade que por hora está sendo vivida nas redações por uma infinidade de mulheres jornalistas. Outro caminho importante a ser construído diz respeito à questão da equidade de gênero, buscando equiparação salarial justa para mulheres e homens, independente das suas identidades de gênero.